Bem-vindos ao Cinema & Consciência, um novo espaço para a difusão e a discussão do cinema brasileiro e internacional. Vamos falar de filmes ou documentários, discutir ética e estética do cinema, com enfoque nas pessoas, nos temas e nos fatos. Os comentários dos visitantes serão sempre bem-vindos.

Todos os textos neste blog são de autoria de Mário Luna, salvo aqueles em que a fonte for mencionada.
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"Não acredite em nada que ler ou ouvir neste blog. Reflita. Tenha as suas próprias opiniões e conclusões"





domingo, 21 de novembro de 2010

Uma Obra Master

Dos filmes ficcionais do início de carreira, passando pelas reportagens cinematográficas do Globo Repórter e culminando com o ícone biográfico Cabra Marcado para Morrer, a obra de Eduardo Coutinho hoje se mostra transformadora, e não seria exagero considerá-la revolucionária. Suas reformulações estéticas revelam o radicalismo inovador com que o documentarista faz cinema. Além disso, o conjunto de sua obra se desdobra numa série sistemática de métodos e posturas políticas, formando um verdadeiro tratado a partir da observação do ser humano brasileiro na construção do seu imaginário popular.

Coutinho realizou 15 obras como diretor e roteirista e já passou por experiências tão distintas que podemos afirmar que sua carreira foi marcada por contrastes. Em sua complexa coleção, 5 obras, entretanto, se destacam: Cabra Marcado para Morrer, Santa Marta, Santo Forte, Babilônia 2.000 e Edifício Master, uma imersão na natureza humana, urbana, e incrivelmente relevadora. Cada um desses filmes representou uma nova direção em sua cinematografia e definiu um avanço na maneira com que se faz filmes no país. Mas o que, hoje, parece ter levado Coutinho ao limite de sua capacidade criativa é, na verdade, uma pausa para o seu próximo empreendimento. A recorrência da interação criativa com espaços delineados na periferia da sociedade, explorando os temas da pobreza e do exotismo cultural, continua mostrando que o seu leque de possibilidades é inesgotável e, assim, nada parece ameaçar o cinema de Eduardo Coutinho.    


Em Edifício Master, a sede do cineasta pela investigação social e urbana, a mesma vista anos atrás em Santa Marta e Santo Forte, ressurge com uma intensidade desconcertante e faz Coutinho retomar seu espaço de criação com algo tão inovador que seria um sacrilégio acusá-lo de repetição. A realidade brasileira mostrada cruamente revela um amálgama humano rico em histórias, com H mesmo, e uma farta casuística de comportamento. No prédio de Copacabana, vemos um Coutinho entusiasmado com a sua realização, curioso com os fatos e capaz de surpreender os críticos mais céticos.  Cada depoimento em Edifício Master apresenta uma rica fonte de inspiração para a pesquisa da natureza humana, no discurso da verdade objetiva.


O documentário sai da marginalização para mostrar a classe média carioca, com uma energia marcante, num ritual de fragmentos humanos em ebulição. Aqueles corredores com inúmeras portas nos mostra o rico menu de onde ele encontra inspiração para a multiplicação de discursos. Ali revela-se também o verdadeiro e o falso, o original e a cópia, na costura de expressões que se desenrolam da intuição a verdadeiras performances diante da camera. Vemos tão bons atores na auto-corrupção quanto na atuação sincera diante de fatos que, em sua essência, dispensam tais interpretações. Isto é, a informação é rica por si só, pois no cinema de Coutinho não existe verdade estática, apenas a verdade relativa de ponta: a verdade do evento, ali, no momento em que ele se desenrola na frente da camera, numa performance viva.

O desfile de tipos em Edifício Master, como o homem outrora importante, que hoje canta My Way de Sinatra, o ator outrora famoso e hoje escondido no prédio, a mulher que conta sobre um assalto, o discurso ornamentado do síndico, a mulher que quase se matou por ciúme do marido, com quem teve 22 filhos, 15 dos quais abortados, mostra a riqueza humana que Coutinho nos presenteia. Consciências dissonantes que juntas formam esse harmonioso amálgama humano no exercício da interrealação. Coutinho deixa claro que o seu registro visa unicamente formar um todo eficiente, o grande quadro humano, a partir de boas partes. Como minipeças de um maximecanismo os moradores nos mostram a maneira com que tocam aquela máquina. Parece que, a partir do acaso, Coutinho constrói uma realidade com precisão, como um bom catalizador de imagens. Aliás, a precisão e o acaso são marcas criativas das quais Coutinho não abre mão em suas obras e as utiliza não apenas por talento, mas, sobretudo, por ética na sua relação com a estética do real.

Edifício Master foi realizado num período de uma semana. O diretor e sua equipe percorreram todos os apartamentos para convidar os moradores a contarem suas histórias, seus sonhos, realizações e aspirações. Histórias, diga-se, de gente comum, de quem está por trás das câmeras e gostam, de uma forma ou de outra, e em sua maioria, do isolamento. Os personagens reais de Edifício Master, como contadores de histórias de si mesmos, fazem do filme um verdadeiro registro da vida urbana brasileira, com seus contrastes e suas semelhanças interiores, seus isolamentos e liberdades, numa vasta rede de casuísticas pessoais, porém, sem a intenção de representar um estilo comunitário: eles são únicos em sua essência, vivendo entre os 276 moradores do edifício, em pleno bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro, num prédio que já foi ponto de prostituição.



O grande trunfo de Edifício Master é que ele mostra uma realidade que, aos poucos, vai identificando-se com a do espectador, e isso o diretor Eduardo Coutinho sabe fazer com maestria, mostrando que é possível transformar um simples edifício, como tantos outros da cidade, em cinema de primeira qualidade.

sábado, 20 de novembro de 2010

Cinema & Consciência e o Cine Clube Cognópolis

Este blogger começou uma ótima parceira com o Cine Clube Cognópolis, espaço para exibição de filmes conscienciológicos no Discernimentum, em Foz do Iguaçu. Toda semana, uma postagem sobre o filme da semana é lançada por mim no blog do Cine Clube - http://cineclube-cognopolis.blogspot.com/

Aos leitores do Cinema e Consciência, fica, assim, o convite para visitar esse espaço de divulgação de filmes e tornar-se também um seguidor, para que as novidades cheguem mais rápido a você!

Conforme anuncia o blog do Cine Club, o evento periódico legal de exibição de filmes é patrocinado pelo P.C. Discernimentum e tem como objetivos a higiene holossomática/conscencial e integração positiva entre seus participantes, sejam cognopolitas ou não. As sessões são sempre aos domingos, às 20:30h, no Auditório do P.C. Discernimentum, com ingresso de apenas R$ 5,00, o que inclui refrigerante e pipoca, indispensáveis numa sala de projeção (e R$ 3,00 sem as guloseimas).

O coordenador das atividades do Cine Clube em Foz do Iguaçú é o Marcus Dung, que diz "o Cine Clube Cognópolis é uma atividade destinada à interconvivência sadia, com entreternimento útil e reeducação sócio-consciencial," ou seja, uma boa razão para você participar.

No blog do Cine Clube, os interessados podem escolher os filmes que querem ver exibidos. Contudo, a exibição dos títulos candidatos está sujeita à disponibilidade de cópia original (comprada ou alugada), conforme explicado na sessão de licenciamento do blog.


A confirmação da exibição é feita aos sábados, às 14h, através da sessão Evento (Próximo Filme) do blog do Cine Clube, ou através de anúncio na Tertúlia do mesmo dia (http://www.blogtertulias.blogspot.com/).

Portanto, em Foz do Iguaçu, vamos ao cinema, ou melhor, ao Cine Clube Cognópolis!

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Verdade em Demasia

O Primeiro Mentiroso é uma paródia sobre a idéia de que, no mundo, ninguém sabe o que é a mentira e todos, portanto, só falam a verdade, lidando muito bem com as consequências. Quando o desempregado Mark cria sinapses para a mentira, por força de uma situação financeira calamitosa, descobre não apenas os benefícios da enganação, como também que a mentira é necessária para atender às fragilidades humanas.   

O princípio bastante interessante em O Primeiro Mentiroso, ao menos inicialmente, é de que é possível viver só falando a verdade, pois, como ninguém sabe definir o que é a mentira, tudo passa a ser verdade imediatamente quando dito. Ninguém naquele mundo duvida de absolutamente nada do que ouve, lê, aprende etc. O conceito criado sobre verdade e mentira funciona de maneira muito dinâmica, mais ou menos assim: se um homem branco diz que é preto, então, rapidamente, o conceito de preto é alterado, para que um homem branco possa ser chamado de preto, numa mudança brusca e vertiginosa de paradigma. Como dizia o filósofo alemão Nietzsche, "a verdade é uma designação, tomada universalmente como válida, dada à expressão do que uma pessoa percebe e sente como realidade. Logo, a verdade está submetida às convenções da linguagem. Mas, por mais rigorosas que possam ser tais convenções, toda expressão é expressão de um sujeito."



Quando o personagem de Gervais aprende a mentir, ele passa a dominar o mundo, catequizar as pessoas e tenta achar um sentido para sua vida. No meio de todos os temas explorados nesse momento, há o medo da morte, a crença religiosa, o sucesso profissional e financeiro e a busca por um grande amor, além de colocar a mentira no patamar do necessário. Infelizmente ninguém pode viver sem mentir, ou mesmo omitir, o que é quase mentir, pois omitindo pretendemos não saber quando, de fato, sabemos. As consequências do saber mentir são mais ou menos óbvias e todas levam ao poder, fato que encontramos um bom exemplo nas mãos de políticos que, tirando proveito da ignorância do seu eleitorado, mentem à vontade.


A verossimilhança da estória e também dos personagens trafega, no entanto, no limite do improvável, uma vez que a possiblidade da paródia virar realidade é nula. Mas ela é válida no sentido de justamente ser uma experimento, de mostrar o como-seria. A sensação de estranhamento é normal, pois estamos acostumados à mentira.  O modo como os personagens vão sendo colocados em cena e a naturalidade que eles passam na impossibilidade da mentira criam uma hilária impressão de normalidade muito light de se ver. Contudo, mais do que pretender encontrar no filme de Gervais a ironia que lhe é peculiar em outras produções,ou a cadência plausível documentarista de trabalhos como The Office, o segredo é se deixar levar por essa grande mentira.


A maior vantagem de O Primeiro Mentiroso é oferecer aos espectadores mais filosóficos uma reflexão sobre conceito de verdade e mentira.  É elaborando uma crítica da verdade que Nietzsche pretende nos mostrar a decadência de nossa época cientificista. "A pedra fundamental da ciência é a crença em uma verdade universal, existente fora e independente do homem e que pode ser alcançada e conquistada pelo intelecto humano. Em nossa busca cega pela verdade, somos incapazes de perceber a completa falta de sentido deste empreendimento." Ele ainda diz que " impulso da verdade nasce desta obrigação impingida por pacto social. O mentiroso é mal visto, castigado e excluído pelos outros membros da comunidade. Para ser valioso e repeitado é necessário orientar-se sempre em direção a verdade (estabelecida). Mas esta verdade não passa de uma convenção social, com a finalidade de regular os interrelacionamentos humanos e possibilitar a formação de uma comunidade."

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

I Congresso Internacional de Autopesquisologia Acontece esta Semana no Rio de Janeiro

O I Congresso Internacional de Autopesquisologia acontece esta semana, no próximo final de semana (incluindo o feriado de 15 de novembro), no Hotel Barra Windsor, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. O evento é pioneiro na cidade, de grande importância e reúne os melhores trabalhos na área no momento. Paralelamente ao congresso, vários mini-cursos completam a programação: Técnicas Assistenciais, Estado Vibracional - Domínio Energético, Desenvolvimento dos Chacras e Práticas da Projeção Lúcida.

Para aqueles que ainda podem fazer a sua inscrição e querem maiores informações, acessem o site do IIPC (www.iipc.org) e bom congresso a todos!

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

A Guerra e a Paz de Sérgio Vieira de Mello

Para se fazer a paz é preciso tentar compreender a existência da guerra. A paz se faz a partir da guerra e um pouco a cada dia. Se não entendemos a guerra, será difícil mantermos a paz. Sérgio Vieira de Mello, certamente, devia saber disso, pois ele estava tentando entender uma quando morreu em 2003, vítima de um atentado a bomba atribuído à Al Qaeda contra a sede local da ONU, no Iraque.

Sérgio Vieira de Mello nasceu no Rio de Janeiro, em 15 de março de 1948. Foi um diplomata brasileiro, funcionário da Organização das Nações Unidas por 34 anos e Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos desde 2002. Sérgio Vieira de Mello foi um dos poucos homens que obtiveram êxito e visibilidade no cenário internacional. Sua atividade profissional, até a sua trágica morte em 19 de agosto de 2003, esteve dedicada à reconstrução de comunidades que sofreram as nefastas conseqüências de guerras e de violências extremas. O caráter humanista de sua formação, associado ao seu talento para a negociação e a defesa da democracia, mesmo em situações adversas, foram fatores-chave do sucesso de muitas de suas iniciativas. Seu exemplar desempenho, em defesa dos direitos e dos valores humanos, inspira a perpetuação de sua memória e o permanente debate do seu pensamento.


Uma missão intransferível no Iraque - o diplomata Sérgio Vieira de Mello morreu aos 55 anos no cargo que ficará marcado como o ápice dos seus 30 anos de carreira diplomática – representante especial da ONU no Iraque. Antes de ser indicado para a tarefa pelo secretário-geral da ONU, Kofi Annan, a principal credencial de Vieira de Mello, conhecido por seu estilo duro, porém gentil, foi conseguida no Timor Leste. Ele foi o titular da entidade na administração de transição que transformou o Timor em um país independente, entre 1999 e 2002. Antes de assumir o posto no Iraque em maio, Vieira de Mello insistira com Annan para ficar apenas quatro meses, de forma a manter o seu cargo como alto comissário para Direitos Humanos da ONU.O primeiro cargo de Vieira de Mello na organização foi assumido em 1969, no Alto Comissariado para Refugiados, em Genebra, na Suíça.


Um histórico notável de trabalhos pela paz no mundo - na década de 70, trabalhou em diferentes programas da organização em Bangladesh, Sudão, Chipre, Moçambique e Peru. Entre 1981 e 83, Vieira de Mello foi conselheiro político das forças interinas do Líbano, na cidade libanesa de Naqoura. Nos anos 90, ele atuou na repatriação de refugiados do Camboja e foi delegado da ONU na província de Kosovo, na antiga Iugoslávia. No Iraque, o papel desempenhado por Vieira de Mello à frente da ONU foi bem mais complexo do que o que teve em situações anteriores, como no Timor Leste. Em 2003, ele foi enviado ao Iraque, em plena guerra. Segundo a resolução 1483, o representante especial da ONU no país deveria "trabalhar intensamente" com os Estados Unidos e a Grã-Bretanha para restaurar as instituições iraquianas e zelar pelos direitos humanos, reforma legal e judicial e pela reconstrução do país.


O cenário iraquiano - o Iraque possui a segunda maior reserva de petróleo do mundo e tem uma população de 25 milhões de pessoas. Além de contar com poderes menores, a gestão da ONU no Iraque terá pela frente um país muito mais turbulento. O Iraque conta com uma população mais dividida política e religiosamente. Por quase três décadas, os muçulmanos xiitas, que constituem o maior grupo religioso do país, foram oprimidos pela minoria sunita, que exercia postos-chave no governo de Saddam Hussein. Além de possíveis embates entre xiitas e sunitas, o Iraque ainda conta com um elevado número de curdos, ao norte do país, que dominam uma área de grande autonomia dentro do Iraque e querem garantir sua participação no futuro do Iraque.



O documentário - Através de uma série de entrevistas realizadas em oito países, o premiado documentário Sérgio Vieira de Mello - A Caminho de Bagdá mostra a trajetória de vida do embaixador brasileiro. A direção é da jornalista Simone Duarte. Quarenta pessoas que o conheceram recordam o trabalho feito por este diplomata, que lutava contra a burocracia e tinha esperança na renovação das Nações Unidas, com particular destaque para suas missões em países como Moçambique, onde ele morou dois anos; Camboja, onde ficou um ano; e o Timor Leste, seu endereço por dois anos e meio. O atentado que o matou no Iraque também marcou o fim de uma era de ajuda humanitária internacional e o começo de novas incertezas. Nos extras, uma entrevista especial com Kofi Annan, ex-Secretário Geral da ONU.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Realidades em Loop

A tênue linha entre projeção da consciência e sonho ou alucinação é uma intrigante questão só resolvida por meio do discernimento de quem passa pela experiência. E aqui vale aplicar o princípio da descrença. Em Danika, filme de Ariel Vromen, essa linha é mostrada de uma maneira quase hipnótica entre realidade e suposta fantasia, obrigando o espectador a refletir sobre suas próprias convicções a respeito do tema para solucionar o embróglio final.

A experiência projetiva, isto é, a saída do corpo físico, com restrita ou ampla lucidez, promovida pela consciência em seus veículos energéticos, é um fenômeno subjetivo, próprio da realidade do experimentador e fruto do seu parapsiquismo. Para muitos, a projeção consciente ainda é um caso para místicos e religiosos do oriente, muito embora recentes estudos e pesquisas, realizados por institutos científicos e conduzidos por médicos e cientistas, ofereçam hoje algo mais do que um punhado de crenças em que acreditar. Tais estudos são deveras importante. O mais simples conhecimento do assunto pode ser o ponto de partida para que a informação sobre o fenômeno esclareça um número cada vez maior de pessoas, que ainda temem a experiência por pura ignorância no assunto.

O filme Danika é, na verdade, uma viagem ao universo intraconsciencial de uma mulher casada e mãe de três filhos. As suas supostas alucinações começam após um acidente em que um mendigo se choca contra o seu carro - a senha do plot. O seu drama funciona também como um laboratório para seu parapsiquismo descontrolado. Mas as conexões dos parafatos em choque com a realidade física mostram não apenas que suas vivências estão longe de ser alucinógenas, como a evidência de que a realidade energética é parte integrante da realidade física. Sem a variável multidimensional, não é difícil nos surpreendermos com o que experimentamos no dia-a-dia. Em meio a tantas experiências limítrofes, isso é exatamente o que acontece com Danika, que, por falta de explicações sensatas, acha que está ficando louca.

Em uma das primeiras cenas do filme, Danika presencia um assalto ao banco em que trabalha. A violência do evento, em que muitos clientes e funcionários morrem pelas mãos do bandido, a deixa apavorada. Ela procura abrigo numa das salas do banco e se esconde do bandido. Contudo, pouco depois, a sala é invadida pelo criminoso, mas ao ser descoberta agachada debaixo de uma mesa, Danika recupera a lucidez e reconhece a sua chefe, agachada à sua frente, lhe perguntando se tudo está bem. Danika olha para o salão principal do banco e a agência está funcionando normalmente. O assalto foi uma alucinação ou uma projeção premonitória? Essa é uma questão que se repete em praticamente todo o filme.

 As alucinações continuam sem que Danika tenha uma explicação para elas. Aos poucos, elas vão tomando conta do seu cotidiano e afetando sua família. No jogo de fazer o real se confundir com a fantasia, o roteiro faz questão de esclarecer que Danika também tem visões premonitórias, que são reais. Ela assiste a morte de uma das professoras da filha, com quem descobre ter uma espécie de ligação atemporal, em algum ponto de sua teia multidimensional. Aqui há um bom sinal de que as alucinações são visões do seu mundo intraconsciencial em loop e clamando por reciclagens e reconciliações irremediáveis, num daqueles momentos da vida em que o nosso trem se descarrilha a fim de nos obrigar a enfrentar as mudanças necessárias. E ao choque de cada uma delas, Danika vive em crise o calvário dos acontecimentos que assolapa seus dias e lhe empurra para novos recomeços.

Na última parte do filme, Danika passa a viver, constantemente, os efeitos das suas alucinações ou projeções. Seu loop em parafuso se acentua na medida em que os parafatos se tornam indissociáveis à realidade física e sua vida se transforma num grande ponto de interrogação. Danika gera no espectador não apenas a inquietude da desconfiança sobre o que é verdade e o que não é, ou mesmo sobre o mito da crença e a convicção da verdade (relativa de ponta), como também coloca a questão da intraconsciencialidade, isto é, o universo interior, como ponto central de todos medos e proezas. Se a nossa realidade física é fruto de nossas projeções conscientes e relações interdimensionais ou alucinações só nós mesmos podemos dizer. Talvez o filme revele muito mais do que há escrito aqui. Mas cabe a você descobrir.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Uma Difícil Formalidade

O Mensageiro fala sobre a morte para os que ficam, para os que a comunicam, para os que a recebem como notícia, para aqueles que acham que a superaram e para aqueles que a superaram e não sabem. Dentro de uma realidade rotineira americana nos último anos, o filme aborda o momento em que o Estado, seguindo sempre um protocolo rígido, frio e impessoal, notifica formalmente as baixas da Guerra do Iraque às famílias de ex-combatentes. 

O filme apresenta um roteiro bem escrito, estruturado, simples e que vai direto ao seu propósito. Além disso, a estória em si oferece uma série de possibilidades para tornar o drama bem sucedido, pois o tema é profundo, atual e próximo da realidade de qualquer um, pois lidamos sempre com a ameaça de uma perda na família. Este filme não é, entretanto, sobre a morte para aqueles que se vão, mas para aqueles que ficam e o duro trabalho da sua notificação é feito por dois soldados designados exclusivamente para isso. É interessante observar, entretanto, a luta que ambos travam contra uma assimilação simpática (envolvimento promovido por uma ligação energética, a qual, caso seja de caráter negativo, envolve emocionalismo) quase inevitável.


O drama que os soldados enfrentam no dia-a-dia, com essa tarefa, mostra a difícil responsabilidade de se lidar com a dor do outro, sem que haja qualquer envolvimento emocional. O protocolo é feito de uma maneira tão rígida e disciplinada que os soldados são psicologicamente preparados para não ouvir choros, gritos, histerismos, nem sentir na pele reações as mais agressivas, desde xingamentos e impropérios contra o Estado até ataques físicos dos familiares. A carapaça dura dos soldados para desempenhar a função (de saco de pancada) vai aos poucos amolecendo e a fortaleza emocional não suporta a pressão até ruir diante do doloroso destino daquelas famílias.


Um dos soldados ainda sente na pele os efeitos da guerra. Ele mesmo é atormentado pelos fantasmas que trouxe do Iraque, de onde voltou com ferimentos na perna e no olho esquerdo, Sem permissão para voltar à ação, ele agora tem de se contentar com esse pesaroso trabalho.  O soldado que se tornou seu parceiro foi quem o treinou e o introduziu na função. Os dois têm temperamentos completamente diferentes e se espezinham no começo da parceria, pois o veterano no cargo é, aparentemente, menos emocionalmente vulneravel do que o seu pupilo, mas uma proximação (inevitável) acontece nos solavancos das notícias de morte. O interessante é ver que, embora um dos soldados seja claramente mais emocionalmente vulnerável,  a dureza do outro não terá vida longa, pois ele não consegue resisitir ao desalinho das suas próprias emoções diante daqueles fatos.



Na lista de famílias que recebem a notícia, há uma jovem esposa de um combatente e seu filho. Ela depois revela a sua dependência emocional com o marido morto, uma interprisão que a fez resisitir aos arroubos de um homem violento em casa e que dizia preferir ir à guerra, pois não sabia viver em família. No variado leque de personagens marcados para o sofrimento da perda, há uma mulher casada que passou a viver com outro homem antes mesmo de saber se o marido havia morrido. De modo que a notícia de que ela era casada chegou para o novo parceiro junto com a de morte do seu marido - diga-se aqui, uma cena extremamente bem dirigida. Nesse leque, inevitavelmente, um dos soldados se envolve afetivamente com a viúva do ex-marido violento. Os dois são atraídos pelas circunstâncias pesarosas, mas há sentimento na relação. Ele passa a acompanhá-la, faz visitas e tentar promover uma aproximação com o filho dela. Suas tentativas são sinceras e coerentes com a inteção de começar uma relação a dois. Ela aos poucos cede aos seus encantos e à sua obstinação, até que ambos decidem assumir uma atração mútua e reconstrutiva. 

O filme é forte, com um texto afiado e uma dupla de protagonistas que merece respeito. Mas quando o roteiro muda para entrar na segunda parte, a qual explora a realidade emocional dos protagonistas, o ritmo cai um pouco e narrativa fica lenta (para os amantes de filmes europeus, isso não chega a ser um problema), embora muitos colóquios sejam magistrais, como a conversa que os dois soldados têm na cozinha da casa de um deles, onde o veterano ouve do parceiro uma de suas proezas na guerra, a de salvar um companheiro numa de muitas batalhas urbanas. Nesse momento, vemos a fortaleza do veterano ruir de vez, a casa cair e o balde ser chutado. Ninguém é, absolutamente, de ferro.


segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A Insustentável Leveza da Invisibilidade

EQM - Experiência de quase-morte é a projeção involuntária, forçada, que ocorre em casos de morte clínica, doenças terminais ou acidentes, em que o paciente ou acidentado se vê fora do corpo, acessa outras dimensões e, depois, retorna ao corpo. Em inglês, é conhecido por Near-Death Experience (NDE). Pode significar um sinal para a retomada de tarefas importantes e também desencadear uma série de reciclagens dos pensamentos, sentimentos e energias (www.iipc.org).  

O filme O Invisível, do diretor David Goyer e do mesmo estúdio que produziu O Sexto Sentido, fala de EQM de uma maneira bastante didática e apresenta uma estória com princípios cosmo-éticos baseados na reconcialiação. Para muitos, O Invisível se trata de um thriller sobrenatural. Mas desde os estudos do médico norte-americano, Raymond Moody Jr., Ph.D., nos anos 70, a EQM deixou de ser uma coisa do outro mundo para se tornar um assunto cujas novas descobertas se renovam a cada ano. Originalmente, O Invisível foi levado às telas como drama por Mats Wahl, baseado no romance homônimo de Den Osynlige, adaptado agora por Goyer para a realidade das bilheterias americanas. O melhor do filme, entetanto, permaneceu intocável pelo diretor americano, que se limitou a alterar o final. Alguns críticos chegam a afirmar que a versão americana perdeu a seriedade do original. Como gostei muito da versão acessível de Goyer e não consegui encontrar a versão alemã, fica a sugestão para a versão americana disponível.

O Invisível conta a estória de Nick, um jovem com um futuro brilhante, que após tomar uma surra de uns malandros rivais da escola, permanece dias em coma jogado em algum lugar da floresta e dado como morto. Enquanto isso, ele vaga pelos lugares de rotina e assiste o mundo na sua ausência. A confusão mental natural de quem se encontra repentinamente numa outra dimensão e a representação da forma pensamento são bastante fiéis à realidade das pesquisas e um dos pontos altos do filme em termos de fenomenologia. Como Nick, na verdade, está em coma, a solução do problema toma proporções de uma urgência desesperada, pois ele não resisitiria muito tempo largado no fundo de uma vala.

Na sua peregrinação no além, Nick tenta como pode interferir naqueles que ficaram no aquém, para que encontrem uma solução capaz de salvá-lo. A sua morte, entretanto, provoca uma série de reciclagens naqueles com quem ele convivia, inclusive na sua arqui-rival, uma garota dark punk da escola, agressiva como um visigodo, mas frágil e vulnerável pelo desprezo com que a sua família a tratava. A mãe de Nick também acorda para a vida na falta do filho. Tomada pelo trabalho, ela não tinha o hábito de olhar à sua volta e enxergar as necessidades dele, o que só ocorre, claro, com a ausência em casa. Quando cai em si, ela passa por uma reciclagem dolorosa.

Em 1975, Raymond Moody Jr., Ph.D., trouxe ao conhecimento do grande público, uma coletânea de relatos sobre EQM - Experiência de Quase Morte, através de sua obra Vida Depois da Vida, que teria ainda duas continuações, dado o sucesso alcançado. A partir daí, mais e mais pesquisadores sérios buscaram explicações para o fenômeno, publicando vários estudos em revistas especializadas, inclusive a Projeciologia. Embora a ciência explique as visões na EQM como fruto de reações químicas no cérebro, o fenômeno está 100% fundamentado nas pesquisas projeciológicas. Segundo os relatos daqueles que passaram por uma EQM, o que ocorre é uma sensação interior de paz, às vezes ouvem ruídos ou assistem ao desenrolar de suas vidas como um filme rodado em incrível velocidade, de modo a que nenhum fato se perca, até os mais banais. Encontram-se com seus familiares e amigos já falecidos (dessomados), com imensa alegria. Todos dizem-lhe das tarefas desenvolvidas no mundo espiritual, da necessidade de continuar trabalhando, evoluindo, estudando. Outros afirmam que os laços familiares não se rompem, pelo contrário, se fortalecem na dimensão extrafísica. Não raramente, aqueles projetados numa EQM, passam por uma revisão de suas responsabilidades na dimensão física. Aliás, o desprezo por responsabilidades essenciais  no mundo físico, muitas vezes, é a razão pela qual a consciência passa por uma EQM.


Após a experiência de uma EQM, é comum a consciência recuperar a lucidez da sua condição multidimensional, pluriexistencial, e redirecionar-se nos trilhos fundamentais da sua vida - a programação existencial. A EQM trata-se de uma reciclagem drástica, determinante e essencial para a consciência perdida e amaurótica quanto ao que veio fazer no mundo físico. Muitos que passaram pela experiência relatam a mudança que a mesma lhes causou, um verdadeiro turning point, ou ponto de retorno, na bifurcação entre o que deve ser e o que tinha que ser evitado. Os retornos à base física, não raramente, são considerados verdadeiros milagres pela medicina.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Quem Tem Medo de Morrer ?

Em maior ou menor grau o parapsicotismo post-mortem acomete uma grande parte dos humanos geralmente materialistas, que morreram céticos com relação ao além, extremamente apegados à própria matéria e com uma dose suficiente de entropia energética para fazer com que não queiram abandonar nem o corpo físico nem o aquém. Certamente o restringimento físico tem sua grande parcela nessa parapsicopatologia. Mas o fato é que o despreparo para a morte produz irremediavelmente auto e hetero-assedialidade, negação da dimensão extrafísica e confusão mental, impedindo que o recém dessomado faça o que muitos conhecem por passagem: a transição entre os dois mundos.


Na obra do diretor polaco-americano, Agnieszka Wojtowicz-Vosloo, o problema do parapsiquismo post-mortem entra em debate num roteiro primeiramente propenso a criar (com habilidade) um terror psicológico, mas repleto de representações coerentes da parapatologia, que poderiam muito bem servir para um laboratório tanatofóbico (aquele que tem fobia da morte), e sigmas claramente apresentados para ajudar o espectador a ter suas próprias conclusões com relação à esta trama estrelada por um casting respeitável: Christina Ricci, Liam Nielsen, Justin Long, Alfred Molina, Josh Charles e Chandler Canterbury. O longa de estréia do diretor foi lançado em abril deste ano nos Estados Unidos, mas, inexplicavelmente, sem um distribuidor oficial, em muito poucas salas e sem participar de nenhum festival. Só agora chegou às locadoras brasileiras o DVD da área 1 (Estados Unidos), com legendas em inglês e espanhol. 


Christina Ricci (a moçinha que não sabia rir das primeiras edições da Família Adams) é Ms. Taylor, a namorada atormentada de Paul, vivido por Justin Long, que, depois de brigar com o namorado num restaurante, sai de carro numa noite de chuva, disputando a pista da estrada com caminhões barulhentos e tentando ligar o celular enquanto dirige. Isso não poderia ser a deixa para nada mais do que um acidente fatal. Aqui começa então o point da trama propriamente dita, pois ela desperta numa espécie de clínica onde se prepara falecidos para o funeral.  O diretor funerário é Liam Nielsen, um homem frio e macabro com o dom de transitar entre os vivos com a mesma naturalidade com que transita entre os mortos. O funerário paranormal é a ponte entre a vida e a morte dos que chegam em sua clínica e é com ele que Ms. Taylor vai teimar que esta viva à exaustão.



O filme constrói um cenário psicótico muito coerente e elucidativo com relação à parapsicopatologia que acomete os desavisados post-mortem.  Depois que o funerário mortífero avisa que ela não está mais viva no sentido material da palavra, Ms. Taylor reluta em aceitar a sua nova realidade, reclama que não sente o corpo, questiona a sua catalepsia, diz que está confusa e que se sente tão densa que pode comandar seus instintos e sua força ainda material, mesmo deitada na cama de aço inoxidável, onde o médico legista prepara o seu corpo para o funeral. É importante ressaltar que o monoideísmo de que não morreu dá ao recém dessomado confuso e patológico a certeza de que pode seguir transitando entre os vivos e reclamar da vida que acabou de deixar para trás. Há elementos suficientes no filme para termos uma idéia bastante clara dos efeitos desta para-enfermidade, como o uso hábil do ectoplasma para mover objetos, a mente ainda moldada para o material, embora com lapsos que o remetem à nova dimensão, projeções extra-corpóreas lúcidas, a ausência da auto-visão na fase da negação, isto é, ela não consegue se ver morta e a comunicação telepática com o namorado - usando, inclusive, em uma das cenas, o telefone para falar com ele (há registros que atestam que, por meio da psicofonia, o dessomado consegue se comunicar com a dimensão física).



No extremo oposto da trama, Christina Ricci esbanja sensualidade, pois passa  a maior parte do filme vestindo um vestido de seda vermelha extremamente curto e calcinha minúscula, quando não aparece completamente sem roupa, fato que, apesar do seu estado cadavérico, alivia em muito o clima macabro do seu drama pessoal. Na atmosfera fria e soturna da clínica funerária, a morte tem representação em praticamente todas as sequências de uma forma ou de outra, como se o diretor definitivamente estivesse exorcizando seus tormentos tanatofóbicos e espantando os fantasmas do materialismo. Em alguns momentos do filme ele não abre mão de certas alegorias, mas o faz de uma maneira tão sutil e apurada, que rapidamente descobrimos o propósito de todas elas. E é justamente uma das alegorias, também conhecidas por sigmas, ou representações narrativas, que, em uma das últimas cenas, alivia o espectador da angústia da dúvida e provoca uma reviravolta no enredo. De modo que, enquanto os créditos ao final do filme seguem passando na tela, a cabeça do espectador está refazendo todo o caminho de volta às primeiras cenas a fim de entender o que, de fato, aconteceu com Ms. Taylor. Aparentemente, o roteiro se mostra redondo, isto é, sem pontas de drama soltas e enxertos inexplicáveis (desses que estamos cansado de ver nas novelas da TV). O resultado final é um filme bem escrito e produzido, que usa a realidade como seu prórpio algoz, que educa para um problema de saúde parapsíquica, mesmo quando a cabeça do seu mestre está ocupada com outras intenções. Para entender esta última frase será preciso ver o filme, o que eu fortemente recomendo.




segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Abbas Kiarostami: O Cinema Humano


Cineasta, fotógrafo e poeta iraniano, Abbas Kiarostami busca na criança um cinema humano para todas as idades, fazendo da essência das vulnerabilidades humanas sua maior inspiração. Seus personagens são tão reais que não raramente a identifcação imediata com o drama é inevitável. Kiarostami é uma aula de se fazer cinema com um olhar consciencialmente educacional.

Abbas Kiarostami nasceu em Teerã em 1040. Formou-se em belas artes antes de iniciar carreira de designer gráfico. Após breve incursão em filmes publicitários para a TV, foi convidado pelo governo de seu país, em 1970, para dirigir a seção de cinema do Kanun (Instituto para o Desenvolvimento Intelectual das Crianças e Adolescentes), época em que estreou com o curta-metragem "O Pão e o Beco." Seus filmes, inspirados no neorrealismo italiano, tornou-se conhecido no Ocidente somente após a revolução iraniana, com a premiação, no Festival de Locarno, do longa-metragem "Onde Fica a Casa do Meu Amigo" (veja crítica neste blog). A partir dos anos 1990, ele torna-se uma espécie de ícone da resistência democrática no Irã e fonte de inspiração para a eclosão de dezenas de cineastas iranianos.



Entre seus filmes mais conhecidos, encontram-se Close-Up (1990), lançado por aqui somente em VHS, "E a Vida Continua" (1992), disponível em DVD, sobre uma região do norte do Irã devastada por um terremoto em 1990, "O Gosto de Cereja (1997), também só disponível em VHS, "Através das Oliveiras" (1994), somente em VHS, e, recentemente, "Dez" (2002), já disponível em DVD. A crítica batizou seu gênero de car movies, por ele privilegiar filmagens dentro de automóveis em movimento. Nos anos recentes, também tem obtido resultados significativos com as novas técnicas de filmagem digital. Como fotógrafo, Kiarostami registra exclusivamente paisagens de seu país natal. Também escreve poesia, parcialmente influenciada pela grande poesia mística persa dos séculos XV e XVI, tendo recebido tradução na França (Avec le vent: Pol, 2002).



Entre suas premiações mais importantes, encontra-se a Palma de Ouro do Festival de Cannes, em 1997, por "Gosto de Cereja" e o Leão de Ouro do Festival de Veneza, em 2000, por "O Vento nos Levará."  Kiarostami se destaca pela visão realista da sociedade iraniana - que vale para muitas outras em todo o mundo -, pois a carga dramática humana é facilmente reconhecível e assimilada por qualquer espectador menos propenso às autocorrupções e atento para entender e superar os desvios da natureza humana. Os filmes de Kiarostami têm presença constante nos maiores e melhores festivais de cinema do mundo, sempre com chances de levantar os prêmios mais importantes. Sem nunca deixar de ser um cineasta visionário, enveredou também pelo campo documental e realizou "ABC África," em 2001, onde construiu um retrato fiel do continente assolado pela AIDS.



A discussão filosófica sempre permeia os dramas mostrados por Kiarostami, mas seus filmes passam muito longe do gênero intelectualóide e não são tampouco o que muitos críticos definem como pseudo-intelectuais. Apesar de sua visão realista explorar universos pouco visitados da natureza humana, pela maioria das pessoas, ele faz uso de uma linguagem acessível e compreesível a todos os que tenham, em algum momento, uma conversa séria consigo mesmo. Esse universos extremamente ricos de significado faz com que tudo possa acontecer nos filmes de Kiarostami. Princípios, valores, vida, morte, ética, civilidade, humanidade, fraternismo, assistencialidade, desenganos etc. são temas frequentes em seus dramas. O improvável, talvez, aconteça longe das cameras, pois, num momento em que o cinema privilegia o drama banal, de uso imediato no melhor estilo junk food, a computação gráfica para deslumbrar espectadores, as catastrófes mundiais para ameaçar platéias, o terror tanatofóbico de monstros e fantasmas para assustar, é realmente surpreendete que os filmes intelectualizados de Abbas Kiarostami, em que nada mais há além de cenários e personagens realistas de um lado e uma simples camera do outro, façam tanto sucesso mundo afora, e que eles sejam um sinal de que o bom cinema não morreu para o público.



O conceito usado acima de cinema para uso imediato no melhor estilo junk food se justifica nas produções conhecidas como blockbusters, ou seja, sucesso de bilheteria e com grande apelo de marketing, em quer o espectador vê um drama orgânico, como introdução, desenvolvimento, clímax e fim, sem ter tempo para pensar. Na verdade, ele não precisa pensar. Está tudo ali na tela. Ele sai da sala com o coração palpitante, mas nada mais ficará do filme além dessa sensação de montanha-russa, depois que ele relaxar no primeiro bar ou restaurante perto do cinema. Nesse aspecto, Kiarostami segue o caminho inverso, sendo a antítese da grande produção cinematográfica. Seus filmes tem um ponto de partida, mas jamais um de chegada. Esse onde chegar fica ou deve ficar por conta do espectador. Isso não significa, entretanto, que os dramas sejam inacabados ou com aqueles irritantes roteiros onde escolhemos o final. Mas, sim, que as estórias grudam na consciência do espectador após a exibição, ficando, ao invés do coração palpitante, uma inquietação discussiva e uma ansiedade para tirar os nós dos pontos em que criamos os nosso vínculos pessoais com o drama vivido pelas personagens. Onde pretendemos chegar após assitir a um filme de Abbas Kiarostami? Há duas dicotomias básicas como saídas: o auto-engano ou o enfrentamento, a discussão interior ou o auto-esquecimento? (porque os filmes certamente irão pertubar a sua consciência - sem ameças, claro).



sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Retrospectiva Abbas Kiarostami

Onde Fica a Casa do Meu Amigo ? (1987)
O garoto Ahmad, ao fazer seu dever de casa, percebe que pegou o caderno de seu amigo por engano. Sabendo que o professor exige que as tarefas sejam feitas no caderno, escapa das vistas de sua mãe e parte em busca do colega. Ele vai até uma vila nos arredores com o intuito de encontrá-lo para devolver o caderno. Chegando lá, encontra-se com diversos moradores e vivencia o dia-a-dia de cada um num ritmo extremamente real.  A lição de princípios que este filme nos dá é o ponto alto da obra.






Close-up(1990)
A história de Hossain Sabzian, um jovem e modesto empregado de uma tipografia que é também um cinéfilo apaixonado pela obra do realizador Mohsen Makhmalbaf. Hossain Sabzian se faz passar pelo diretor junto a uma família. Quando a sua farsa é descoberta, ele é preso e julgado por tentativa de fraude. Kiarostami visitou Sabzian na prisão e obteve permissão para filmar o seu julgamento.







E a Vida Continua (1992)
Kiarostami mostra as consequências de um terremoto que dizimou parte da população de uma cidade no norte do Irã. Um diretor de cinema e seu filho partem de carro para o local da catástrofe. Propositalmente, ele retorna oa local onde filmou Onde Fica a Casa do Meu Amigo? e  filho do diretor conhece um dos personagens do filme. Acompanhamos o percurso feito pela dupla de protagonistas no local do terremoto e descobrimos que a vida continua. A população está recolhendo escombros, reconstruindo casas, refazendo a vida, sem que, emocionalmente, tenhamos qualquer indício da catástrofe.





Através das Oliveiras (1994)
Um cineasta filma no interior do Irã, numa região marcada pela pobreza e por um terremoto. Paciente, ele conversa com as pessoas e se interessa pelos pequenos dramas de todos. Os atores são recrutados entre os habitantes e o final das filmagens acaba retardado porque dois dos selecionados não conseguem repetir as falas de uma cena banal. O jovem está apaixonado pela atriz e, no fundo, ele erra as falas para retardar a separação dos dois. Nos intervalos, implora que ela se case com ele e, quando o diretor encerra os trabalhos, ele tem os últimos instantes para conquistá-la.




Gosto de Cereja (1997)
Badii é um senhor amargurado que quer cometer suicídio, mas para fazer isso quer que alguém o ajude - como enterrá-lo no local adequado, por exemplo. Todos se recusam por várias diferentes razões, até que encontra um turco que também tentou se suicidar no passado. O filme, embora a figura da morte permeia todas as cenas, paradoxalmente, é uma celebração á vida.








O Vento Nos Levará (1999)
Munido de câmera fotográfica e telefone celular, um estrangeiro no Irã profundo é tratado pelos moradores da vila de casas de barro Siah Dareh, no Curdistão iraniano, como o “engenheiro”. No entanto, ele não chegou de Teerã a serviço da engenharia, mas da espera. O real motivo da viagem é uma anciã à beira da morte.








"A primeira geração de cineastas, de quando nasceu o cinema, olhava a vida e fazia filmes. A segunda olhava para esses filmes e para a vida e fazia filmes. A terceira voltava seus olhos para os filmes até então feitos para fazer seus próprios filmes. A quarta, que é a nossa, não olha nem para os filmes nem para a vida para fazer seus filmes. Essa geração só vê o que é possível fazer em termos de efeitos e tecnologia" ABBAS KIAROSTAMI

Quando Abbas Kiarostamis faz seus filmes, ele quer pertencer à primeira geração de cineastas... e consegue com maestria.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Assistência Através da Educação

A Versátil apresenta Maria Montessori - Uma Vida Dedicada às Crianças, cinebiografia de Maria Montessori (1870-1952), médica, educadora e pedagoga italiana que criou um método educacional revolucionário. A minissérie mostra os momentos de maior destaque da vida da educadora: a graduação em Medicina, a militância feminina, o trabalho pioneiro com crianças deficientes, a fundação da Casa das Crianças, a relação com o filho Mário, entre outros eventos que marcaram a vida desta mulher inacreditável e extraordinária.

Maria Montessori nasceu em 31 de Março de 1870, em Chiaravalle, Itália, numa família conhecida pelo seu fervor religioso. Depois dos estudos elementares, entrou na Faculdade de Medicina como a primeira mulher a conseguir esse feito (ousadia, pioneirismo). Considerava-se em toda a Itália, na época, que a Medicina não era uma profissão que pudesse ser desempenhada por mulheres. Maria Montessori enfrentou todas as oposições e venceu as resistências com a certeza de que estava no caminho certo (superando contrafluxos). Impôs-se com um gosto pelo estudo acadêmico tão sério que mestres e discípulos passaram não só a respeitá-la como a louvar sua inteligência e sua coragem. Havia nela uma ânsia de servir a humanidade e um poder de iniciativa inigualáveis (na prática da assistencialidade).

A minissérie começa com a entrada de Maria Montessori na Faculdade de Medicina. O início difícil, com a rejeição dos homens e o momento em que ela conhece Dr. Giuseppe Montesano, que mais tarde viria a ser o pai do seu filho Mário. O começo na Medicina, depois, influenciada pelo então namorado, Dr. Montesano, na Psiquiatria, onde seu gênio desaflorou e a tornou famosa, foram momentos que oscilaram entre o sucesso na profissão e o fracasso amoroso. Em 1896, quando alcançou o diploma de doutoramento, a classe médica passou a vê-la com enorme curiosidade. Ela então já havia começado a desenvolver suas pesquisas na área da educação, trabalhando com crianças deficientes. Tinha objetivos muito claros: melhor preparar-se para o trabalho com as crianças, entrar na vida profissional, estudar o sistema nervoso e concorrer ao estágio na clínica de psiquiatria. As crianças desequilibradas atraíram-lhe a atenção. Sua alma se compadecia diante dos pobres seres que o destino aniquilara e que, na época, a Medicina não havia desenvolvido nada em seu benefício. 

Sua especialização ganhou notoriedade na prática. O seu interesse pela questão das crianças deficientes a levou ao conhecimento dos trabalhos de Ittard, no tempo da Revolução Francesa, que criou um bem sucedido método de educação para deficientes mentais, a partir do seu trabalho com o Selvagem de Aveyron. Mais tarde, Maria Montessori descobriu os trabalhos de Edouard Séguin, professor e médico, que fizera por dez anos experiências pedagógicas com crianças internadas numa casa de saúde e montara a primeira escola para deficientes mentais. Séguin insistia sobretudo na necessidade de uma observação cuidadosa do aluno. Nada devia ser feito que pudesse representar uma violência às suas possibilidades psíquicas. O professor não devia ser um modelador, mas um cientista atento, capaz de fornecer pontos de apoio e assistência suficiente para ensinar, educar o fazer, jamais robotizá-lo (aplicando sempre a tarefa do esclarecimento). Séguin esperava o momento mais adequado para educar o deficiente mental, esperava o momentum para aplicar o material que ele criara depois de anos de experiência e que lhe parecia ser o mais adaptado aos interesses espontâneos do deficiente.


Em 1898, num congresso em Turim, Maria Montessori defendeu a tese de que os deficientes mentais precisavam muito mais de um bom método pedagógico do que da Medicina. Sem, no entanto, desprezar os tipos de tratamento do sistema nervoso disponíveis, reconstituintes e tônicos, ela assegurava que a esperança de qualquer desenvolvimento psíquico estava no professor e não no clínico. Era necessário que se criasse à volta do aluno um ambiente que o ajudasse, e que os médicos desprezavam, demasiado interessados numa terapêutica tomada no sentido restrito. A internação de crianças deficientes mentais passaria a ser desaconselhável. Ao contrário, tinha que se construir escolas especializadas no assunto, onde houvesse aperfeiçoamento pela observação quotidiana e os métodos de Séguin fossem usados na formação do corpo docente. Guido Baccelli, que fora professor de Maria Montessori na faculdade, e que ocupava então o lugar de ministro da Instrução Pública na Itália, interessou-se pelo trabalho da pedagoga e chamou-a à Roma para uma série de conferências sobre o ensino para deficientes mentais. As conferências despertaram o interesse de todos os que se dedicavam ao assunto e assim surgiu um movimento de opinião a favor das ideias de Montessori.

 Toda a vida de Maria Montessori se orientava agora para a educação dos deficientes mentais. Estudava tudo o que era publicado sobre o assunto, aproveitava todas as sugestões que lhe eram dadas, prosseguia incansavelmente com suas experiências com os alunos da clínica, mostrava aos candidatos a professores como a tarefa era das mais nobres, desempenhando seu trabalho com uma assistência sem limites nem condições (uma renúncia pelo melhor resultados para todos), espírito de sacrifício, atenção e entusiasmo íntimo, optimismo e zelo extremos. Criou as bases do seu método e os fundamentos de um ensino que mostrava que, "na escola, não ganham apenas os alunos, mas, sobretudo, os professores," e que a educação não é, como se julgara até então, um jogo unilateral para os docentes. Isto é, se a escola é boa, a personalidade do professor deve também enriquecer-se no contato com o aluno, mesmo que se trate de deficientes mentais.

Maria Montessori instruía os professores, observava os alunos, redigia suas notas, atendia a consultas, entrava em ligação com todas as pessoas que podiam ajudá-la. Mandara fabricar o material de Séguin e o aperfeiçoara, colocando de lado o que era insuficiente. Criou ela mesma um novo material e passou a utilizá-lo com as suas crianças. O resultado de todo esse empenho desmedido foi a aprovação de todos os seus alunos deficientes mentais, quando prestaram exames para as escolas públicas, ganhando posições dos alunos conhecidos como normais. O êxito foi surpreedente e muitos o julgaram inacreditável, fazendo com que gerasse nos meios da educação uma questão até então impensável: como poderia uma criança deficiente mental ter melhor desempenho do que uma criança considerada normal num exame escolar? Só havia uma explicação: a de que as escolas para crianças normais estavam mal organizadas e de que os métodos sacrificavam todas as possibilidades que a natureza, generosamente, tinha distribuído à maior parte das crianças. Foi então que os educadores viram que ali surgia a necessidade de libertar as milhões de crianças normais que, implacavelmente, eram tolhidas pelas máquinas escolares.

Da ciência Maria Montessori desisitiu também por conta de uma enorme desilusão amorosa. A paixão e o relacionamento que ela teve com o Dr. Montesano. Da relação surgiu o seu filho, Mário, entregue pelo pai para ser criado e educado por uma família desconhecida, recusando o casamento com Maria, que teve que se separar do filho por imposição da sociedade, que não aceitava uma mulher ter um filho solteira. Com isso, decidiu se dedicar à pedagogia e abandonou o seu trabalho com as crianças deficientes mentais, que realizava no mesmo instituto do Dr. Montesano. Foi uma perda imensa para a equipe do instituto, que tinha todos os motivos para chorar a sua saída. Porém, mais do que uma desistência, fica claro, ali, que ela optava por assumir seu trabalho prioritário, onde exerceria o seu maior talento (e colocaria em prática a sua programação existencial). O filho foi um acidente de percurso que por pouco não destruiu a sua vida, visto a maneira como ele veio ao mundo (com os arroubos de uma paixão, numa relação que mais tarde se provaria infrutífera). O seu caminho de revolucionar a educação no mundo revelava uma força tão irremediável que as chances de uma perda de rumo eram praticamente nulas.

Quando, por fim, se dedicou à pedagogia, o seu aclamado trabalho com os deficientes mentais e o interesse que ela demonstrava pelas questões da educação como um todo levaram o ministro a nomeá-la para a cadeira de antropologia pedagógica em Roma, posição na qual ela também exerceu grande influência no ensino, expondo suas ideias sobre educação elementar e levando os futuros professores a não considerarem como resolvido o problema da escola. Lançou em todos o espírito da dúvida (e o uso do discernimento) quanto ao que se tinha feito até então e também sobre o que devia ser feito no futuro. A realização ou não daquelas ideias, contudo, ficaria por conta do espírito empreendedor de cada escola. A mensagem estava clara: as palavras podem preparar a mente, mas, nas questões da educação, só as realizações com resultados práticos importam de fato. "A tarefa do professor é preparar motivações para atividades culturais, num ambiente previamente organizado, e depois se abster de interferir," disse a grande pedagoga.  

Na nova profissão, Maria Montessori pensou em seguir o caminho que tomara com os deficientes mentais e fez diligência para que se fundasse uma Escola Normal, com aulas pelas quais passariam todos os alunos e professores. Idealizou a reforma dos métodos e a preparação dos professores, dando a ambas as atividades todas as garantias contra a falência por falta de formação profissional. No entanto, a burocracia italiana pôs obstáculos que se tornaram insuperáveis. Nada parecia conseguir vencer a dura barreira dos papéis oficiais, de modo que Maria Montessori teve, por algum tempo, que se resignar com o único meio de que dispunha na ocasião para espalhar as suas ideias centralizadas no papel da escola. Fica claro na misissérie que Maria Montessori era uma mulher de fibra, empreendedora, corajosa, dotada de uma intuição aguçada, engajada com suas causas, sem bloqueios para tomar decisões e com uma força interior capaz de superar obstáculos impensáveis.

A primeira Casa das Crianças abriu em Janeiro de 1907, com instalações humildes, mas que davam à Montessori e sua equipe toda a possibilidade de fazer o seu trabalho de maneira decente. Os resultados foram tão bons e rápidos que logo a segunda Casa abriu em abril do mesmo ano. O trabalho seguiu a passos largos numa proporção de crescimento tão avassalador que em pouco tempo o mundo inteiro já conhecia o nome de Maria Montessori. Em muitos países, incluindo a Alemanha nazista, já havia uma ou mais escolas com seu método. Não demorou para que o número de escolas chegasse a 400 só na Itália. A imprensa cobriu o feito e nos jornais do mundo inteiro falava-se de Maria Montessori e seu surpreendente método de ensino. Da qualidade de crianças humildes e sem recursos, seus alunos passaram a ser conhecidos como extraordinários, delicados e precisos, inteligentes e de ótima educação. Foi então que a fama do método Montessori se espalhou nos cinco continentes. Na Suíça, as escolas infantis deixaram Froebel por Montessori. Pouco depois, fundou-se uma escola na Argentina e, em 1910, o método chegou nos Estados Unidos. Em 1911, abriu-se uma escola em Paris e, ainda no mesmo ano, devido aos esforços de Maria Maraini Guerrieri, o método Montessori foi adotado nas escolas primárias em toda a Itália. Em 1913, surgiu na Inglaterra a Sociedade Montessori. Ao mesmo tempo, duas outras sociedades, uma em Milão, e outra em Roma, ofereceram-se para fabricar o material didático necessário e a baronesa Alicia Franchetti patrocinou a primeira edição da revsita Pedagogia Científica, em que Maria Montessori expôs os princípios e a didática do seu método.

Poucos nomes da história da educação são tão difundidos fora dos círculos de especialistas como Montessori. Ele é associado, com razão, à Educação Infantil, ainda que não sejam muitos os que conhecem profundamente o método ou mesmo a sua idealizadora. Em 1922, o governo a nomeou inspetora-geral das escolas da Itália. Porém, com a ascensão do regime fascista, Maria Montessori decidiu deixar o país em 1934 com seu filho Mário (princípios pessoais). A famosa pedagoga continuou trabalhando na Espanha, no Ceilão (Sri Lanka), na Índia e na Holanda, onde morreu aos 81 anos de idade, em 1952. Hoje, os livros de Maria Montessori estão traduzidos em diversas línguas, entre as quais o chinês e o árabe. Há escolas Montessori em todo o mundo, até no Tibete e no Quénia. Tanto na Itália quanto em países como Hungria, Holanda, Panamá e Austrália, os governos mandam adotar o método Montessori nas escolas oficiais e modificam as leis escolares todas as vezes que há qualquer incompatibilidade para a aplicação do método. Em muitos países, existem escolas de formação de professores montessorianos. A sociedade Montessori possui hoje sedes em todas as terras civilizadas, com o trabalhao de fundar escolas, organizar conferências, formar professores e, assim, ampliar cada vez mais o importante legado de Maria Montessori.

A minissérie lançada em DVD, com direção de Gianluca Maria Tavarelli e o excelente trabalho da atriz Paola Cortellesi no papel-título, apresenta nos seus 200 minutos uma produção cuidadosa e rica, uma bela fotografia e um roteiro bom o suficiente para nos dar uma ampla ideia da dimensão assistencial em que esta inacreditável mulher viveu para nos presentear com seu talento até os dias de hoje. A ressalva que se deve fazer com relação ao lançamento do DVD da Versátil é com relação ao conteúdo do menu principal. Nele não há qualquer divisão dos dois episódios da minissérie, cada um com duração de aproximadamente 1 hora e 30 minutos. Após os créditos do primeiro episódio, a impressão que se tem é a de que o filme terminou (e não há continuação). Mas o segundo episódio vem logo em seguida. Por várias razões, esta é uma das melhores obras cinebiográficas já lançadas por essas paragens.

Nota do crítico: As fotos lançadas neste post foram propositalmente da verdadeira Maria Montessori. Uma homenagem deste blogger a esta diferenciada consciência.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Maldição Sustentável

Além, obviamente, da intenção de provocar medo e instigar a curiosidade dos mais afoitos a bisbilhotar os mistérios do além e afeitos em geral a filmes macabros, as produções de filmes conhecidos como de terror têm enfrentado novos desafios nos últimos anos, a fim de arriscar alguma renovação na maneira com que atormentam o espectador.

Recentemente, uma chusma de títulos de filmes para assombrar têm apresentado o ameaçador aviso de que a estória é baseada em um caso verídico, e o filão ganhou proporções de ousadia jamais vistas antes. Em "Contato de Quarto Grau," por exemplo, a estória fictícia ganhou ares de caso verdade com tanta seriedade e empenho imaginativo que o drama escrito pelo roteirista e também diretor Olatunde Osunsanmi chegou às páginas de alguns jornais americanos como um furo jornalísitico extraordinário, para assombro da população e consequente promoção do filme, tudo financiado pelo estúdio responsável pela produção. A ousadia decerto valeu mais tarde alguns processos judiciais, mas, então, o filme já acumulara com biheteria milhões de dólares suficientes para cobrir os gastos advocatícios.

Por conta disso, foi com certo ceticismo que me entusiasmei a ver An American Haunting, literalmente “Um Assombro Americano,” mas que, no Brasil, ganhou o título resumido de Maldição, fruto, supostamente, da intenção sensacionalista de promover o assombro contido no drama. A curiosidade veio também pelas presenças ilibadas de atores como Donald Sutherland e Sissy Spacek no elenco, o que, para os amantes da boa encenação, seria mais do que suficiente para dar crédito à produção. O título original se explica pelo fato da estória ser vendida como “o único caso registrado de possessão em que um espírito tirou a vida de um homem,” fato o que o tornou célebre nos EUA desde o tempo em que tais escritos foram revelados.

 
A estória segue alguns padrões rígidos da indústria cinematográfica para filmes de terror sobre possessão maligna. A casa é antiga, a família ignorante sobre o assunto, a adolescente usa camisola, as possessões acontecem numa cama, há um lobo enfurecido, com luzes nos olhos (não, dessa vez não há corvos), há chuva, raios e trovões, objetos arremessados, vozes moduladas para o grave, aparições assombrosas e a presença inevitável de um padre rezando salmos exorcistas que não servem para nada. Até aí o filme não traz novidades. O que Maldição traz de novo é um final surpreendente e, por conta dele, o entendimento da estória descortina um drama plausível e coerente se com a devida consideração ao estudo realizado até aqui sobre o fenômeno parapsíquico da possessão maligna.


Entre os anos de 1818 e 1829, em Red RIver, no estado do Tennessee, nos Estados Unidos, a família Bell foi assombrada por uma presença maligna. Primeiro surgiram estranhos barulhos na fazenda, depois a filha do casal começou a ter pesadelos horrorosos, com os quais a família não sabia lidar, até que um padre foi chamado ao local, mas, as preces não surtiram efeito. Ao contrário, os eventos ganharam intensidade e casos de poltergeist se tornaram frequentes, até que a família entrou em colapso psicológico e o desespero pela impotência diante dos fatos foi inevitável. Na medida em que os ataques noturnos à menina passaram a ser cada vez mais fortes, o seu professor entra em cena. Porém, cético, ele não foi de grande ajuda no sentido de frear os acontecimentos e estancar os efeitos catastróficos dos assédios diários. 

Os eventos macabros começaram, na verdade, a partir do momento em que o pai da menina ganha as terras que pertenciam à uma outra moradora da região, que, supostamente, tinha direitos sobre elas, mas que, de forma espúria, vê seu patrimônio ir pelos ares. Ao fim do julgamento, quando o juiz do lugar passa o direito das terras para o fazendeiro, a mulher se rebela e lança uma maldição à família Bell. No final do filme, entenderemos a importância dessa cena, pois, segundo a crença local, a mulher era uma bruxa. Mas a sucessão de fatos desencadeados a partir do julgamento das terras vai num crecendum até o clímax revelador no final do filme, ocasião em que as peças se encaixam e a verdadeira raiz mal, o seu nascedouro, se esclarece.

O filme tem o mérito de modernizar com sucesso o filme de horror gótico, subgênero que estava um pouco fora de moda - não há nada mais cinematograficamente desalentador e cansativo do que assistir a filmes sobre possessões demoníacas. Primeiro, por que a figura lendária do demônio criada pela igreja há milênios para não só ser o adversário do bem, representado pela figura divina,  mas também para atormentar os pecadores, já causou embates suficientes para perder a credibilidade. Segundo, por que as refregas infernais já não trazem mais aos espectadores nenhum elemento educativo nem qualquer novidade, salvo se você ver alguma coerência na estória que explique não o caso de possessão em si, mas alguns fatos que, de alguma forma, sirvam de exemplo para as possessões que enfrentamos  ou podemos enfrentar no dia-a-dia, produto muito mais de nossas fraquezas intraconscienciais e debilidades energéticas (as mais variadas) do que por competência do assediador.

É aqui que a estória de Maldição faz algum sentido. O argumento é coerente quanto às razões pelas quais os eventos começam e  fazem igualmente sentido no que a estória guarda como tema de fundo. Nenhuma entidade ou consciência extrafísica tem livre acesso ao nosso universo intraconsciencial sem que tenhamos oferecido o caminho das pedras, aberto as portas da sala de comando. A perda do mando de campo é invariavelmente a perda do próprio domínio energético, facilitado (muito provavelmente) por interprisões grupocármicas  patológicas e um nível evolutivo ainda bastante reumático.


A figura do adolescente é assim justificada por ser o centro de energia anímica mais potencialmente ectoplásmico da casa, com quantidade suficiente para dar cabo dos arroubos do visitante. "As escalafobéticas atividades telecinéticas do poltergeist, a exemplo do arremesso e destruição de objetos, batidas e arranhaduras audíveis, levitação de móveis, parapirogenia, materializações, traumas físicos, dentre inúmeras outras provas já documentadas pela literatura, cujo doador de ectoplasma em geral é a criança, pré-adolescente ou adolescente, moça ou rapaz, morador da residência acometida (Couto,  2010). O desmando energético pode ser resultado de padrões anticosmoéticos, autocorrupções, imaturidades pluriexisenciais e um parapsiquismo para lá de desequilibrado.
O jovem é o combustível para a atuação das consciências extrafísicas baratrosféricas, motivada por uma interrelação patológica promovida muitas vezes não só por um outro membro da família como por pessoas do próprio grupocarma do adolescente, como é o caso em Maldição. O que parece ser a intromissão descabida de um estranho do além, nada mais é do que a forma mais acessível que a consciência extrafísica encontrou para expressar suas mazelas e reclamar seu passado na pele de alguém com quem tem afinidade suficiente para isso. O padrão energético da nossa casa é de nossa inteira responsabilidade. Maldição é um filme para ser assistido sem preconceitos e com um bloco de notas para a pesquisa fenomenológica.