Bem-vindos ao Cinema & Consciência, um novo espaço para a difusão e a discussão do cinema brasileiro e internacional. Vamos falar de filmes ou documentários, discutir ética e estética do cinema, com enfoque nas pessoas, nos temas e nos fatos. Os comentários dos visitantes serão sempre bem-vindos.

Todos os textos neste blog são de autoria de Mário Luna, salvo aqueles em que a fonte for mencionada.
Críticas construtivas e sugestões em geral, envie e-mail para este blogger: cinemaconsciencia@gmail.com

"Não acredite em nada que ler ou ouvir neste blog. Reflita. Tenha as suas próprias opiniões e conclusões"





quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Quem Tem Medo de Morrer ?

Em maior ou menor grau o parapsicotismo post-mortem acomete uma grande parte dos humanos geralmente materialistas, que morreram céticos com relação ao além, extremamente apegados à própria matéria e com uma dose suficiente de entropia energética para fazer com que não queiram abandonar nem o corpo físico nem o aquém. Certamente o restringimento físico tem sua grande parcela nessa parapsicopatologia. Mas o fato é que o despreparo para a morte produz irremediavelmente auto e hetero-assedialidade, negação da dimensão extrafísica e confusão mental, impedindo que o recém dessomado faça o que muitos conhecem por passagem: a transição entre os dois mundos.


Na obra do diretor polaco-americano, Agnieszka Wojtowicz-Vosloo, o problema do parapsiquismo post-mortem entra em debate num roteiro primeiramente propenso a criar (com habilidade) um terror psicológico, mas repleto de representações coerentes da parapatologia, que poderiam muito bem servir para um laboratório tanatofóbico (aquele que tem fobia da morte), e sigmas claramente apresentados para ajudar o espectador a ter suas próprias conclusões com relação à esta trama estrelada por um casting respeitável: Christina Ricci, Liam Nielsen, Justin Long, Alfred Molina, Josh Charles e Chandler Canterbury. O longa de estréia do diretor foi lançado em abril deste ano nos Estados Unidos, mas, inexplicavelmente, sem um distribuidor oficial, em muito poucas salas e sem participar de nenhum festival. Só agora chegou às locadoras brasileiras o DVD da área 1 (Estados Unidos), com legendas em inglês e espanhol. 


Christina Ricci (a moçinha que não sabia rir das primeiras edições da Família Adams) é Ms. Taylor, a namorada atormentada de Paul, vivido por Justin Long, que, depois de brigar com o namorado num restaurante, sai de carro numa noite de chuva, disputando a pista da estrada com caminhões barulhentos e tentando ligar o celular enquanto dirige. Isso não poderia ser a deixa para nada mais do que um acidente fatal. Aqui começa então o point da trama propriamente dita, pois ela desperta numa espécie de clínica onde se prepara falecidos para o funeral.  O diretor funerário é Liam Nielsen, um homem frio e macabro com o dom de transitar entre os vivos com a mesma naturalidade com que transita entre os mortos. O funerário paranormal é a ponte entre a vida e a morte dos que chegam em sua clínica e é com ele que Ms. Taylor vai teimar que esta viva à exaustão.



O filme constrói um cenário psicótico muito coerente e elucidativo com relação à parapsicopatologia que acomete os desavisados post-mortem.  Depois que o funerário mortífero avisa que ela não está mais viva no sentido material da palavra, Ms. Taylor reluta em aceitar a sua nova realidade, reclama que não sente o corpo, questiona a sua catalepsia, diz que está confusa e que se sente tão densa que pode comandar seus instintos e sua força ainda material, mesmo deitada na cama de aço inoxidável, onde o médico legista prepara o seu corpo para o funeral. É importante ressaltar que o monoideísmo de que não morreu dá ao recém dessomado confuso e patológico a certeza de que pode seguir transitando entre os vivos e reclamar da vida que acabou de deixar para trás. Há elementos suficientes no filme para termos uma idéia bastante clara dos efeitos desta para-enfermidade, como o uso hábil do ectoplasma para mover objetos, a mente ainda moldada para o material, embora com lapsos que o remetem à nova dimensão, projeções extra-corpóreas lúcidas, a ausência da auto-visão na fase da negação, isto é, ela não consegue se ver morta e a comunicação telepática com o namorado - usando, inclusive, em uma das cenas, o telefone para falar com ele (há registros que atestam que, por meio da psicofonia, o dessomado consegue se comunicar com a dimensão física).



No extremo oposto da trama, Christina Ricci esbanja sensualidade, pois passa  a maior parte do filme vestindo um vestido de seda vermelha extremamente curto e calcinha minúscula, quando não aparece completamente sem roupa, fato que, apesar do seu estado cadavérico, alivia em muito o clima macabro do seu drama pessoal. Na atmosfera fria e soturna da clínica funerária, a morte tem representação em praticamente todas as sequências de uma forma ou de outra, como se o diretor definitivamente estivesse exorcizando seus tormentos tanatofóbicos e espantando os fantasmas do materialismo. Em alguns momentos do filme ele não abre mão de certas alegorias, mas o faz de uma maneira tão sutil e apurada, que rapidamente descobrimos o propósito de todas elas. E é justamente uma das alegorias, também conhecidas por sigmas, ou representações narrativas, que, em uma das últimas cenas, alivia o espectador da angústia da dúvida e provoca uma reviravolta no enredo. De modo que, enquanto os créditos ao final do filme seguem passando na tela, a cabeça do espectador está refazendo todo o caminho de volta às primeiras cenas a fim de entender o que, de fato, aconteceu com Ms. Taylor. Aparentemente, o roteiro se mostra redondo, isto é, sem pontas de drama soltas e enxertos inexplicáveis (desses que estamos cansado de ver nas novelas da TV). O resultado final é um filme bem escrito e produzido, que usa a realidade como seu prórpio algoz, que educa para um problema de saúde parapsíquica, mesmo quando a cabeça do seu mestre está ocupada com outras intenções. Para entender esta última frase será preciso ver o filme, o que eu fortemente recomendo.




Um comentário:

  1. Olá Mário. Apenas um ponto do filme que achei que não foi bem feito e que tira um pouco a qualidade do enredo. A questão do deslocamento da moça fora da maca. No filme, mostra-se ela saindo aparentemente, junto com o corpo físico. De fato não deveria sair apenas o psicossoma dela, permanecendo o soma na maca? Foi mostrado várias cenas em que ela permanece fora da maca, estando a maca vazia. Ai é que vem a pergunta. O soma foi junto? como? Acho que nesse aspecto o diretor e produtor errou feio. Estou pondo meu comentário aqui, pra ver se há lógica. Parabéns pelo Blog.


    Emanuel Maia.

    ResponderExcluir