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sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Grey Gardens - O Documentário

No ano de 1973, um escândalo ocupou as manchetes dos jornais americanos. Autoridades locais de East Hampton, uma área residencial nobre no estado de Nova Iorque, tentaram expulsar mãe e filha de uma mansão decadente do balneário de luxo, alegando falta de condições sanitárias. Isso tudo pode acontecer por inúmeras razões, mas, neste caso, mãe e filha se tratavam das ex-socialites Edith Bouvier Beale e sua filha Edie, outrora pertencentes ao crème de la crème da sociedade novaiorquina. Não apenas este fato inflamava as notícias nos jornais, mas, sobretudo, por elas serem, respectivamente, tia e prima de Jacqueline Kennedy Onassis.

A vida intrigante e pertubadoramente interessante de Edith Bouvier Beale e sua filha Edie foi inicialmente tema do polêmico documentário dos irmãos Albert e David Maysles, "Grey Gardens," lançado em1975. Inovadores da técnica do "cinema direto," os irmãos aportaram na mansão de East Hampton com uma camera e um microfone nas mãos e algumas ideias na cabeça. O resultado produziu um compêndio de excentricidades, protagonizado por duas mulheres, cujos diálogos deixariam perplexos Tenesse Williams e Euguene O'Neil. Mas, Grey Gardens mostra muito mais do que isso. O documentário foi feito dois anos depois da reforma da casa, realizada por Jacqueline K. Onassis, mas ainda é possível sentir a presença do abandono, do descaso, do autoflagelo humano e da imundície na qual Big Edie e Little Edie, como eram conhecidas, mergulharam nos últimos 20 anos de convivência na mansão.

O documentário é pertubador na medida em que gera reflexões inevitáveis, pois registra uma natureza humana não muito comum, totalmente incoerente e ilógica. Como duas mulheres outrora frequentadoras da alta sociedade nova iorquina puderam cair num isolamento tão intenso e num auto-abandono tão profundo ? Como uma mulher linda e rica na juventude não conseguiu um casamento, se este era um valor almejado de Little Edie ? Em linha geral fica difícil entender, mas, vendo o documentário conseguimos algumas dicas. A relação mãe e filha sofre da síndrome da ectopia afetiva e retroalimenta uma interprisão grupocármica difícil de anistiar. Ambas têm fortes tendências autofágicas, tanto pelo autoesquecimento quanto pelo autoflagelo em que as duas vivem submersas e dependentes. Há uma mistura de lucidez temporária e loucura quase permanente nas cenas em que aparecem entulhadas sobre as camas, com outras mil traquitandas, em meio à desordem do ambiente, que poderia muito bem ilustrar a desordem interior da vida daquelas duas ex-personagens da aristocracia americana dos anos 30 e 40.

Big Edie, a mãe, cantava. Little Edie, a filha, tinha sido modelo e tentado ser atriz. Ao serem filmadas pelos Irmãos Maisley, o que elas revelaram não era tanto seu comportamento cotidiano, mas as suas interpretações artísticas frustradas no passado. Os Maisley ilustram bem isso ao abusar da imagem da bela pintura a óleo de Big Edie, na qual ela aparece como uma jovem de beleza ímpar, e que, no momento do filme, estava jogado em um canto do quarto, servindo como esconderijo para os gatos fazerem cocô e xixi.

Do lado de fora da mansão, o abandono não é menos pronunciado. Composta por grandes jardins e um velho casarão, a mansão estava tomada por lixo, detritos, gatos pestilentos, guaxinis e pulgas. Isoladas de tudo e de quase todos, eram incapazes de sustentar as necessidades de manutenção do casarão e deixavam a velha mansão ruir à sua volta, enquanto viviam em condições precárias. Os dois lados da moeda da vida dessas duas personagens, no sentido mais amplo da palavra, convivem no mesmo cômodo: ao mesmo tempo em que vemos a deteriorização generalizada em que as duas se meteram, testemunhamos um esforço consciente de recriar uma certa aura de glamour sobre si mesmas. Essa contraposição entre esse senso de estilo anacrônico e o evidente esquecimento em que se tornou Grey Gardens gera o verdadeiro drama do filme e torna chocante a situação das Bouvier.

Depois do sucesso de Gimme Shelter, documentário que registrou a passagem da banda inglesa Rolling Stones pelo Estados Unidos anos antes, os irmãos Maisles conseguiram com Grey Gardens semelhante aclamação crítica universal, por expôr não só a estranha e dramática existência das Bouvier, mas a própria natureza dos documentários - dentro do estilo cine-verdade. Mas, por outro lado, o filme gerou uma polêmica helênica: a exposição das personagens reais foi vista como ato de desrespeito pelos críticos mais moralistas. Além disso, acusaram os diretores de exibir as mulheres sem os retoques de beleza necessários e imprescindíveis à qualquer beldade que aparecesse na grande tela naquela época.

Numa das cenas finais, Little Edie tem uma longa discussão com a mãe, finalmente confrontando as bases da relação, o que acarretou na malfadada existência de Grey Gardens. Enquanto Little Edie responsabiliza a mãe por tê-la obrigado a ficar na casa e afastado dela todos os pretendentes que teve quando jovem, ela olha para o lado e a câmera corta para um quadro na parede, com a imagem de Little Edie ainda adolescente, bela e com um futuro brilhante. Ao voltar para a envelhecida e ressentida senhora Edie, sempre coberta por véus que escondem sua falta de cabelo, o espectador não pode resistir a associar inconscientemente a cena a uma ideia geral de perda. Perda da juventude, da beleza, de um universo de possibilidades. Esta é apenas mais uma das cenas de compadecimento por uma consciência frágil, débil, perdida, manipulável, carente... intrerpesa com uma mãe igualmente frágil, débil, perdida, manipulável, carente e... intrerpesa. Este é um caso inesquecível de duas mulheres que nasceram para uma vida em comum, longe de quase tudo e quase todos, até que a interprisão as separe.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Grey Gardens - O Filme

Grey Gardens, o fime, foi produzido pela HBO em 2008 e lançado na televisão em abril deste ano, com Jessica Lange e Drew Barrymore nos papéis principais de mãe e filha respectivamente. O DVD da região 1 (América do Norte - a nossa é a região 4) saiu por aqui nas locadoras, mas é possível comprá-lo em algumas lojas online.

Naturalmente, o documentário poderia ser suficiente ao espectador, pois se trata de um documento-verdade clássico e sério. Mas, o filme ganha importância na medida em que aborda a fase do glamour das Beale, nos anos 30, e conta toda a trajetória até a fase decadente do lixo e do esquecimento, revelando como aconteceu a incompreensivel curva pessoal-social descendente de ambas as Beale. Isso não está, e nem poderia, no documentário. Esse talvez seja um dos raros casos em que um filme é necessário depois que um documentário sobre o tema foi feito. Da fase em que eram personalidades até se tornarem personagens há um período de 40 anos, mas a fase crítica começa mais especificamente com a morte do pai de Little Edie, de quem sua mãe estava divorciada. Foi então que começaram os altos e baixos financeiros, emocionais, afetivos, as carências seculares e a interprisão entre as duas se consolidou.

No filme sabemos que Big Edie teve dois outros filhos, cujos nomes não são mencionados por ela no documentário. Na faixa comentada no documentário, uma das produtoras explica que a relação entre ela e os filhos nunca foi próxima e, com o isolamento com a filha em Grey Gardens, ela simplesmente os apagou da memória. Eles tampouco tentaram qualquer aproximação no período das filmagens. Viviam no sul dos Estados Unidos na época em que a mãe e a irmã eram assuntos nos jornais de Nova Iorque.

Outro ponto alto do filme é a atuação de Jessica Lange e Drew Barrymore, ambas aclamadas e presentes no Globo de Ouro deste ano. A maquiagem para mostrar o envelhecimento ao longo de 4 décadas de história também é algo notável. Fernanda Torres, no documentário de Eduardo Coutinho, Jogo de Cena, diz que representar um personagem real é bem mais difícil do que um fictício, e por boas razões ela reconhece isso. Quando se tem um modelo vivo, qualquer representação parece aquém da realidade. Mas, a adapatação para as telas de Big e Little Edie é um show a parte. Drew Barrymore encarna a socialite de corpo, alma e voz - a entonação pitoresca e inesquecível de Little Edie ganha vida extra na voz de Drew. Impressionante. Assim como o é no aspecto visual. A mesma qualidade encontramos no trabalho de Jessica Lange, que também canta com ótima voz, como a personagem real. Bravo!

O filme completa o documentário dos irmãos Maisles. Vale a pena ver as duas obras para tentar entender, talvez em vão, alguns enigmas da natureza humana os quais norteiam a vida dessas duas mulheres incríveis.




segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Assustadoramente Bom

A história de Jogos Sinistros, o filme do francês Laurent Tuel, surpreende por várias razões: primeiro, por ser francês - a França resiste à espiritualidade pública desde os tempos de Alan Kardec, e mais recentemente das descobertas do físico Jean Charon, e raros são os filmes do gênero realizados por lá; e segundo, pelo realismo do plot, núcleo do enredo, apesar de, para muitos, parecer o de uma realidade estapafúrdia. Embora o título pareça tendenciosamente assustador e macabro, a trama mostra uma série de fenômenos extrafísicos possíveis, já narrados em depoimentos de experiências pessoais e estudos paranormais os mais diversos - clarividência, psicofonia, clariaudiência, possessão, assimilação simpática, bagulho energético, materialização, manipulação assediadora, morfopensene patológico (padrão de campo energético doentio), além de bons exemplos do que ocorre quando perdemos o mando de campo do nosso padrão energético.

O filme conta a história de uma família bem estruturada e financeiramente privilegiada, que vive num luxuoso apartamento de um bairro parisiense, quando recebe a visita de um casal de idosos, antigos moradores do local. Com a intenção de recordar os dias em que viveram no apartamento, aquele par acima de qualquer suspeita vasculha os cômodos à procura de lembranças da época de criança. A partir daí os fatos começam a eclodir na rotina aparentemente tranquila da família. Inspirado em filmes como "O Iluminado" de Kubrick e "Os Outros" de Amenabar, Jogos Sinsitros constrói o drama sobre uma linha inicialmente psicológica, a qual, de forma interessante, atravessa aos poucos o limite das dimensões física e extrafísica. As cenas exibem um pesadelo crescente, quando a família passa a viver atormentada por visões assustadoras, vozes sinistras, atos de violência doméstica, tentaçõe sexuais inexplicáveis e até suicídio. Na medida em que os acontecimentos sombrios ganham a nova realidade, a loucura parece irreversível, promovida por uma perda de mando de campo energético de todos os habitantes da casa. No que muitos críticos não conseguiram enxergar realidade, por força de uma análise aquém das variáveis extrafísicas, podemos ver a condição assustadora da limitação consciencial em que as personagens se encontram.

Na grande tela, a construção do espanto, no entanto, suscita um estado de alucinação coletiva de uma forma tão lenta e furtiva que, surpreendentemente, nos pegamos inseridos em experiências já vividas, as quais, de alguma forma, têm relação com o drama da história. O filme evoca a fragilidade promovida por uma autodefesa energética precária, a vulnerabilidade dos desavisados sobre a vida multidimensional e a necessidade de um estado de alerta constante nas nossas interrelações diárias, no que diz respeito às influências energéticas negativas. Percebemos aqui o quanto, às vezes, andamos à deriva feito náufragos do asfalto, presas fáceis para assediadores de toda sorte. Não precisamos de muito estudo para analisar tal fragilidade. Basta apenas garimpar na memória todos os momentos em que decidimos fazer coisas que não queríamos, com consequências desastrosas, as ocasiões em que tivemos mudança súbita de humor sem explicação aparente, os eventos que nos fizeram entrar em loop pessoal, com depressões deslocadas e tendências suicidas que desaparecem tão rapidamente quanto aparecem.

Se analisarmos todos esses eventos do dia-a-dia, vamos observar assustados o quanto vivemos coisas que não condizem com o nosso padrão normal de comportamento, o quanto pensamos fatos que não fazem parte da nossa memória pessoal, mas com a qual, de alguma forma, criam-se conexões. A imiscuidade energética é tão comum e presente na nossa rotina pessoal que, se tirarmos pensamentos e sentimentos que sofrem algum tipo de interferência energética, ficamos apenas com 2% de ações autênticas. Assustador.

Jogos Sinistros mostra uma realidade que não queremos ver, posto que, se observada de forma séria, nos leva diretamente aos pontos fracos da nossa condição energética e da maneira equivocada com que nos relacionamos com o mundo. Apesar da crítica não ter recebido bem o filme, considerando-o o irmão pobre dos seus ícones de inspiração já citados acima, a experiência de assistí-lo vai, certamente, levantar algumas questões para reflexão e fazer o espectador evitar a inutilidade de assistir a um filme sem considerar os aspectos multidimensionais das tramas - sabemos, entretanto, não apenas aquelas expostas nas telas, mas, sobretudo, na nossa vida pessoal.







quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Educação no Cinema III

Uma Mente Brilhante mostra a história real do matemático John Nash, gênio precoce da Universidade de Princeton, que se destacou elaborando uma teoria revolucionária, a primeira a atualizar a área desde Adam Smith. Nash é um nerd que passa os dias trancafiado na biblioteca de Princeton, escrevendo fórmulas matemáticas enigmáticas, sempre à procura da "idéia original" que o separaria da mesmice do resto dos matemáticos mortais. Mas, enfim, o reconhecimento chega com a publicação de sua teoria sobre o "equilíbrio," e, em seguida, um emprego em Washington, como decifrador de códigos. Em plena Guerra Fria, Nash é chamado no Pentágono para decifrar um código russo recém capturado, e, em questão de horas, ele consegue descobrir padrões e coordenadas importantes apenas olhando para o código. Gênio. Contudo, cada vez mais paranóico e vendo padrões e conspirações soviéticas em todos os lugares, John Nash finalmente perde o controle sobre a própria mente e torna-se completamente esquizofrênico, sendo internado em um hospital psiquiátrico. Nesse momento, o filme ganha uma nova dimensão. Ou melhor, duas, pois não sabemos se o que o personagem principal vê é realidade ou fruto da sua imaginação. É aqui que entendemos a relação patológica multidimensional da genialidade, pois, a exemplo de outros grandes, como Mozart, Einstein, Van Gogh, Newton, Baudelaire, genialidade e loucura nunca tiveram um limite muito claro ente elas. A parte final é também a parte dos questionamentos: Nash estava realmente trabalhando para o governo? Seu trabalho procurando padrões em revistas é realmente de segurança nacional ou não passa do delírio de uma mente desequilibrada? E, mais pertubador ainda, seriam alguns dos personagens com o qual já nos familiarizamos reais ou são frutos da imaginação de Nash? Quem é real e quem é imaginário? Oh dear. Bem, sem inspirar algumas perguntas ao final nenhum filme vale a pena. Uma Mente Brilhante é... brilhante.

Usando a Filosofia para analisar O Clube do Imperador, Hobbes e Russeau nos bastariam, com as seguintes perguntas: o homem nasce bom e a sociedade o corrompe ? Ou ele nasce mal e a educação e o convívio social possibilitam-no a fingir uma bondade que não tem ? Ou mesmo, qual seria o verdadeiro poder da educação na vida de um homem? Sabemos que limitar o questionamento sobre a natureza do homem na dicotomia bem e mal simplificaria a complexa teia pluriexistencial humana. Mas, aqui tal emprego tem fundamento, pois é baseado nisso que o plot do filme se desenvolve. Na verdade, O Clube do Imperador vai um pouco além dessa discussão, pois estende o questionamento num campo de dilemas éticos, no qual a idéia do homem criado e moldado ao estilo soldado romano, onde a disciplina, a ética, e os valores morais, bem como a busca pelos ideais de cavaleiros estão presentes, desencadeia toda a importância do drama. O cenário é uma escola de alta-elite, engajada na formação de líderes e de grandes homens de negócios. Os alunos aqui já estão com seu lugar ao sol e o que terão que fazer na escola, na verdade, é apenas manterem-se na ascensão social, longe do risco de qualquer desvio. Quando o garoto filho de um influente senador chega para se integrar ao grupo escolar, ele já vem com um inicio corrompido, com uma "natureza" comprometida. Cria-se a partir de então, os dois lados da situação emblemática. Na visão do professor e de parte da turma, seus modos são ultrajantes, mas, na visão do pai, são perfeitamente normais e em nada contraria os princípios éticos e morais existentes no padrão da maioria das pessoas, ou no padrão social "vigente." A questão mais interessante do filme é, como um indivíduo, com seus valores e princípios comprometidos, pode corromper os valores vigentes do meio, sem suscitar uma discussão sobre a fragilidade dos valores sociais pré-estabelecidos. o garoto do filme aplica de forma brilhante a teoria da duplicidade de Maquiavel. Ele adota uma personalidade para, na verdade, controlar e se manter no poder, ao ponto de fazer o professor ir contra seus princípios éticos e morais alterando uma prova. Sem duvida vivemos em um mundo no qual somos vulneráveis ao auto-engano, enganamos o outro ou somos enganados. A lisura de caráter envolve um autoconhecimento sério, o qual nem sempre estamos dispostos a encarar, pois ele significa abrir mão dos ganhos secundários, abandonar os pactos mórbitos e as autocorrupções seculares, além de promover mudanças de comportamento, princípios e valores morais. Na esfera filosófica, Platão sabia disto e Buda também, enganar é uma das mais fortes e natas características humanas.

Toda a ação de Entre os Muros da Escola se passa nas salas, nos corredores e nos páteos de um colégio nos arredores de Paris, ao longo de um ano letivo. Mas o filme do francês Laurent Cantet extrapola os muros e serve de cenário para a realidade de um país com desequilíbrio social, multicultural, onde negros e árabes não fazem parte do corpo letivo, só da equipe de faxina. É um drama e tanto, que se desenvolve em algumas camadas de seriedade: algumas superficiais, outras mais profundas, como, por exemplo, como a França lida com seus cidadãos saídos de ex-colônias. O filme ganhou a Palma de Ouro em Cannes 2008 e tem muito a dizer também sobre a relação professor-alunos de modo geral, independente do contexto social. A relação de poder se desenrola em sua essência, sem máscaras, e mostra que, por mais que um professor tente se aproximar de seus estudantes, sempre vai existir uma barreira intransponível que os distancia. O professor protagonista busca em vão uma cumplicidade com seus alunos. O grupo heterogêneo traz imigrantes africanos, que trazem para a sala um histórico familiar em frangalhos, um menino chinês, que se esmera em matemática, mas vai mal na aula de francês, entre outros. O modo como François conversa com a classe dá a entender que, num ambiente tão culturalmente complexo, a única maneira de atingir o alunado é falando individualmente com ele. Mas o filme mostrará que, antes de mais nada, impera ali a hierarquia. O filme foi resultado do livro de François Bégaudeau, o professor protagonista, um ator não-profissional, que escreveu um livro contando suas experiências em sala de aula e se tornou best-seller na França. A bra autobiográfica ganha peso justamente por esse fato: ela surge de fatos, de histórias reais. Os alunos são todos atores amadores e interpretam a si mesmos. Isso dá ao filme uma força extra, pois vamos da ficção ao documentário sem perceber.