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segunda-feira, 22 de junho de 2009

A Psicologia no Cinema II

O processo de aquisição da linguagem falada é dinâmico e se relaciona a diferentes fatores, como costumes sociais e familiares, herança cultural, o relacionamento com a comunidade, a escola etc. A criança se apropria da linguagem na medida em que ela interage com o meio. Mas a linguagem vai além da palavra. Desemboca numa abordagem, num símbolo, meio, numa forma de ver a realidade, entender os fatos e solucionar os problemas. A linguagem não se limita a um processo de comunicação verbal, mas a vários outros processos de comunicação com o meio. Nesta peculiaridade, o estudo do comportamento infantil mostra como as crianças se relacionam entre si e com os adultos, quando as etapas do seu desenvolvimento ocorrem e de que maneira. Segundo Vygotsky, o aprendizado e o desenvolvimento estão interrelacionados, posto que o aprendizado precisa estar de acordo com o nível de desenvolvimento da criança. A criança faz uso da linguagem como instrumento de socialização. Esse movimento resulta em avanço intelectual e social.

Em Filhos do Paraíso, mergulhamos na linguagem do universo infantil para entender a maneira simples com que as crianças resolvem seus problemas. Trata-se de uma história de grande sensibilidade, mas tão simples quanto usar uma cabine de voto eletrônico. Aqui está a razão-chave de sedução do filme. Ele é simples, direto e incrivelmente eficiente, porque, aqui, as crianças falam pelos adultos. A história é sobre um menino de nove anos que perde os sapatos da irmã ao levá-los para o conserto. Como esse par de sapatos era o único que a menina possuía, ele se vê obrigado a emprestar o seu, até que ele recupere o da irmã. Mas, com o passar dos dias, isso se torna impossível. Na saída das aulas, ele tem que sair correndo para entregar os seus sapatos para que a irmã vá para a escola. Tudo isso em segredo. Leais um com o outro, os irmãos vão mantendo a rotina da troca de pés para aquele velho e surrado par de sapatos - grandes para a irmã inclusive - longe do conhecimento dos pais. Bem, chega um momento em que o irmão tem a chance de vencer uma mararona e ganhar um par de tênis novos se for o segundo lugar. Ele insiste em inscrever-se na escola e consegue participar da corrida. Tudo o que ele quer é ser o segundo lugar e ganhar o par de tênis novos para dá-lo à irmã.

A Língua das Mariposas, do espanhol José Luis Cuerda, conta a história de um menino com medo de frequentar uma escola, até que ele conhece um professor de idade, que usa método irreverentes de ensino, como caminhar no bosque da pequena cidade onde vivem, mostrando a vida das borboletas e mariposas para os alunos. O menino passa a adorar a escola por conta das aulas do professor idoso. Nessa época, a Espanha está se encaminhando para a Guerra Civil e o professor é perseguido pelo estado. O filme é muito bonito ao falar da mediação do ensino através dos métodos do professor e das ações compartilhadas entre o menino, seus amigos e seu irmão. Também mostra a incompreensão de signos novos, neosinapses, conceitos da linguagem e de política, elementos incompreensíveis para o menino. Em suma, o filme fala da importância do professor no processo de desenvolvimento cognitivo, pessoal, político e social da criança. E não só. O papel de um professor que influencia na medidade em que oferece algo mais próximo da realidade da criança, que atua com um método realista e eficaz por estimular e cultivar, utilizando na linguagem infantil, o prazer pelo aprendizado.

O filme Matilda fala em geral sobre a reluctância dos pais em aceitar um comportamento diferenciado dos filhos, quando eles claramente estão fora da média de inteligência. No caso de Matilda, seus pais definitivamente não percebem que a garota é "diferente," com inúmeras habilidades. Mas isso na sociedade não é visto de maneira normal e os diferenciados tendem à se excluir das demais crianças. Matilda estuda num colégio repressor e se esconde na biblioteca. A menina tem poderes mágicos e termina por usá-los para acertar a conta com todos, desde a diretora megera até aqueles coleguinhas indesejáveis. É um filme que mostra também, por meio do exagero, para engrandecer o plot do drama, como as crianças usam sua linguagem própria para resolver seus problemas psicológicos. Jean Piaget, profundo estudioso da psicologia infantil, afirma que "a inteligência não começa nem pelo conhecimento do eu nem pelo conhecimento das coisas enquanto tais, mas pelo conhecimento de sua interação e, orientando-se simultaneamente para os dois pólos desta interação, a inteligência organiza o mundo, organizando-se a si mesma." As crianças têm uma habilidade especial para lidar com esse modelo de construção da realidade, talvez justamente pela forma extremamente lógica e realista com que vêem o mundo a sua volta, muitas vezes desconcertantes para um ser humano adulto.

Na mesma linha extraordinariamente infantil, o filme A Corrente do Bem traz a história politicamente correta de um menino que recebe a incumbência de um professor para montar um projeto de uma corrente para fazer com que as pessoas pratiquem o bem aos outros, sem esperarem qualquer vantagem, devolução ou retorno. Tarefa nada fácil. A corrente consistia em dar às pessoas a tarefa de fazer o bem para três indivíduos e pedir que os demais continuassem fazendo o mesmo com outras pessoas, isto é, praticando o bem indefinidamente. O filme levanta discussões sobre as relações humanas e também familiares. As dificuldades de uma relação universal, mais grupocármica e policármica e menos egocármica, e mostra também como ainda somos frutos de uma sociedade individualista e umbigóide - o egoísta que só sabe olhar para seu próprio umbigo. Além disso, o filme funciona bem ao tentar revisar o entendimento do pensamento dos jovens e serve como um momento de reflexão sobre o papel da justiça e o conceito de moral. O garoto-astro de Sexto Sentido e Inteligência Artificial, Haley Joel Osment, é o protagonista da película que, decerto, poderia passar na Sessão da Tarde, mas que vale a pena uma atenção porque faz refletir sobre nossas atitudes e intenções assistenciais no dia-a-dia. A teoria da assistência é bela, e muitas religiões pregam isso, mas na prática...

Mentes Que Brilham é dirigido pela Jodie Foster e anda na mesma linha dos filmes sobre crianças extraordinariamente inteligentes. Superdotado, ele é convidado a participar de olimpiadas de matemática e arrebata alguns campeonatos. Contudo, apesar de ter uma inteligência privilegiada, com uma capacidade cerebral muito além da sua idade, ele é imaturo em suas funções afetivas e sociais. No processo de desenvolvimento da criança, muitos psicólogos defende a idéia de uma equilibração interior caracterizada por aspectos do relacionamento com o meio e em si mesma. A base psicológica e emocional é a matéria prima para a relação com o meio, não havendo entretanto uma co-dependência desses aspectos. A inteligência surge assim de forma inata e por meio da experiência. Essa relação pode ser hígida ou entrópica e o entendimento da realidade será o resultado da maneira como essas relações se interagem no sistema cognitivo. Para Piaget, o processo de desevolvimento deve produzir um equilíbrio que possibilita a criança a autoregulação. Isto é, as ações físicas e sociais das crianças são elaboradas e reelaboradas a partir de todas as suas ações, tanto físicas quanto mentais, sobre o meio.

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