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domingo, 14 de fevereiro de 2010

O Começo da Linguagem

O clássico do diretor francês Jean-Jacques Annaud poderia muito bem suplantar muitas aulas de pré-história do ensino médio dada a sua importância histórica. Mas como explicar para os adolescentes de hoje a revolução causada pela descoberta do fogo e o uso da roda, numa época em que muitos deles usam gadgets de alta tecnologia, inventos já muito a frente dos incríveis canivetes suiços da geração anterior ?

O desafio dos professores ao abordar tópicos da história do homem é vencer a condição sonífera das histórias milenares, num tempo em que falar de pedra lascada e pinturas rupestres não parece um bom programa. Os obstáculos do ensino da história do homem não ficam apenas na dificuldade de se encontrar meios interativos e visualmente interessantes para alunos de escolas. Com um sistema de ensino retrógrado, pouco criativo e não muito afeito à cultura da leitura, da pesquisa e da visita a museus, adolescentes se tornam adultos desinformados e desinteressados na sua própria história no mundo.

O filme A Guerra do Fogo propõe uma aula de história bem legal e visualmente muito interessante, e como todo bom filme educativo e didático, ele faz parte dessa classe de filmes que ensinam, o que, diga-se, é, infelizmente, obra rara hoje em dia. A pré-história tem sido sistematicamente renegada no cinema, salvo raras exceções. Há referências à época em 2001, Uma Odisséia no Espaço ou em O Planeta dos Macacos. Como tema central, a situação é frustrante. O assunto tem sido basicamente tratado em comédias e desenhos, como, por exemplo, em Meu Amigão das Cavernas, Os Flinstones e A Era do Gelo. No caso de 10.000 a.c., apesar do seu orçamento milionário e caráter blockbuster, o filme fica muito aquém da obra de Annaud.

Lançado em 1981, numa produção Franco-Canadense, A Guerra do Fogo é uma obra que tem como objetivo levantar hipótese sobre a origem da linguagem. Para representar fielmente a época, há ausência total de linguagem verbal no filme e isso é um tanto quanto óbvio, mas o recurso dá seriedade ao trabalho e reforça a carga dramática da história dos três homo sapiens em busca de uma nova fonte de fogo para sua tribo. O fogo é então um elemento divino. Mas observar as interelações entre esses seres humanos de outrora também é uma tarefa prazerosa para os amantes da pré-história e interessados na própria história do homem no planeta. E não será difícil encontrar similitudes de comportamento com os homo sapiens sapiens de hoje, que, em muitas ocasiões, ainda seguem grunhindo.

A maneira como esses três hominídeos se relacionam, se comunicam e disputam territórios com animais e outras tribos menos desenvolvidas é destaque no roteiro assinado por ninguém menos do que Anthony Burguess, foneticista e consagrado autor do livro Laranja Mecânica. Seu trabalho não deixa dúvida nem desconfianças sobre os fatos históricos apresentados. Há momentos antológicos no filme, como a cena em que um dos homens ancestrais joga uma pedra pesada no outro e todos, até o apedrejado, têm um ataque de riso. Em outro momento, algumas fêmeas à beira de um riacho são surpreendidas sexualmente por alguns machos das cavernas e "a coisa" acontece sem repúdio nem acusações de estupro, tudo ali, nesse sentido, é muito natural, mostrando que o homem, desde a sua origem, é um ser prazerosamente sexualizado.

A Guerra do Fogo surpreende o público pela simplicidade da produção e sensibilidade com que trata o intrigante tema da pré-história, ainda recheado de muitas teorias e poucas certezas, um feito não muito fácil sem a classificação de entediante. O filme deve ficar na sua prateleira para uma boa aula de história e futuras revisões oportunas.

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