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Todos os textos neste blog são de autoria de Mário Luna, salvo aqueles em que a fonte for mencionada.
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quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Pacto Mórbito

Segundo a Wikipedia, os Três Macacos Sábios ilustram a porta do Estábulo Sagrado, um templo do século XVII localizado no Santuário Toshogu, na cidade de Nikko, Japão. Sua origem é baseada em um trocadilho japonês. Seus nomes são mizaru (o que cobre os olhos), kikazaru (o que tapa os ouvidos) e iwazaru (o que tampa a boca), que é traduzido como não ouça o mal, não fale o mal e não veja o mal. Sobretudo se esse "mal" está dentro da sua própria casa.

O cinema moderno da Turquia traz o cinematograficamente belo 3 Macacos, do diretor Nuri Bilge Ceylan, que venceu o prêmio de melhor diretor do Festival de Cannes de 2008, e que, a partir do qual, ganhou notoriedade internacional.

O filme aposta bem sucedidamente em seus planos, na sua cor, no seu clima, e, sobretudo, na carga dramática dos atores, todos capazes de transmitir num único olhar as emoções densas e complexas que suas personagens exigem. 3 Macacos é, assim, mais cinema do que filme. Eu explico. Uma história de traição em si pode não ser inédita e facilmente você já deve ter cruzado por muitas. Mas quando uma história de traição ganha uma fotografia rara, atores magistrais e um roteiro sutil e elegante, deixamos o filme para olharmos a obra cinematograficamente falando. E nisso 3 Macacos é obra prima. É cinema de primeira classe.

O grande trio de intérpretes, Yavuz Bingöl, Hatice Aslan e Ahmet Rifat Sungar, respectivamente pai, mãe e filho, e o político, Ercan Kesal, têm performances memoráveis.3 Macacos conta a história de uma família pobre, corrompida por uma proposta indecente de um político local. Tendo atropelado um homem e fugido do local do acidente, ele oferece dinheiro e convence o seu motorista a assumir o crime para não enfrentar um escândalo na véspera de uma nova eleição. A soma de dinheiro oferecida superaria o tempo em que o motorista passaria atrás das grades, mas pior do que a perda da liberdade seria a perda da sua mulher, que, nos meses da sua ausência, se entrega a um romance com o próprio político, patrão do marido.

Seduzido pela mulher do seu motorista, o político embarca na aventura e o caso acelera a desagregação moral do núcleo familiar, que já nutria traumas do passado, como a morte de um filho quando criança, que aliás aparece no filme em duas cenas notáveis, antológicas. Sem mutos diálogos, o filme exige uma participação atenta do espectador para que nada seja desperdiçado, pois aqui temos uma obra para ser degustada e, claro, seriamente analisada.

Oa ganhos secundários são, a priori, a razão da criação do pacto mórbito. Mas a questão se estende quando os ganhos secundários envolvem sentimentos e valores essenciais e universais, como amor, admiração, respeito, união, lealdade etc. Nem todos estão prontos para uma confrontação, assim como nem todos estão aptos a confrontar. No impasse reside a dúvida, o que pode fazer o bola-da-vez clefar, mas não devemos julgá-lo. O que estar por acontecer tem um força incrível e apoiada em algum código de ética a resposta surge mais cedo ou mais tarde, as peças, naturalmente, se reagrupam e tudo se reencaixa, por mais dolorosa que seja a via através da qual todo o processo ocorrerá. Toda omissão deficitária acarreta uma reação em espiral que, naturalmente, traz de volta ao ponto de partida a ação não realizada. Não vi, não ouvi, não falei. Um dia, certamente, a casa cairá, e, senão literalmente, a reconstrução pessoal será inevitável.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Festival do Rio: Começa a Festa do Cinema com 310 Filmes de 60 Países


A edição 2009 do Festival do Rio estará em toda a cidade de 24 de setembro a 8 de outubro. O Festival do Rio é o maior festival de cinema do Brasil e da América Latina.

No período do evento, 310 produções chegam às telas cariocas oriundas uma grande parte delas de outros grandes festivais pelo mundo, como Cannes, Sundance, Veneza e Berlim. Filmes inéditos no Brasil confirmam a importância do Festival do Rio não só por assumir a função de vitrine do cinema latino-americano, como também por sua representação definitiva do cinema independente no país. O púbico verá longas e curtas metragens, vindos de mais de 60 países, nas mostras Première Brasil, Panorama Mundial, Expectativa, Limites e Fronteiras, Mostra Geração, Dox, Midnight Movies, Mundo Gay e Pocket Films, entre outras.

A Première Brasil, coração do Festival do Rio, traz ao público e ao mercado internacional cerca de 60 filmes brasileiros inéditos, em sua grande maioria em premiere mundial. No Pavilhão do Festival, realiza-se também o Cine Encontro, discussões do público com os diretores e atores da Première Brasil. O público terá ainda a chance de participar de outros debates sobre o mercado cinematográfico e ter acesso gratuito ao lounge de games baseados em grandes filmes.

O Festival do Rio consolida também sua posição como plataforma de encontros de negócios para toda a área do audiovisual. Durante duas semanas, seminários, mesas redondas e encontros de projetos nas áreas de distribuição, co-produção e tecnologia enchem as salas do RioMarket, no pavilhão do Festival do Rio. Os principais executivos da indústria vêm ao Rio durante o evento, para encontrar novos parceiros de negócios e estabelecer co-produções com o cinema brasileiro. Além disso, têm a chance de fazer "networking" e conhecer mais de perto o Brasil, o 9º mercado audiovisual mundial. A Prefeitura do Rio de Janeiro, em 2009, volta a se juntar aos grandes patrocinadores do Festival do Rio, juntamente com a Petrobras e a Oi.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Educação no Cinema II
















Neste bom exemplar de filme-pedagógico, não só para alunos mas sobretudo para professores, Hilary Swank interpreta Erin Gruwell, conhecida como professora G pelos seus alunos da sala 203, de uma instituição de ensino médio em Long Bech, Estados Unidos. Já tivemos outras histórias parecidas, como a do clássico Ao Mestre, Com Carinho e no mais recente Mentes Perigosas, com a Michelle Pfeiffer. Mas Escritores da Liberdade oferece um sobressalto a mais ou um plot diferenciado, a palavra da moda. Talvez a interpretação da Hilary também possa ser esse algo diferenciado. A história aqui afeta mais por estar mais atualizada. Não é nada fácil trabalhar como professor numa escola pública de um bairro pobre, nem nos EUA nem em qualquer outro lugar. Não pela dificuldade de educar dentro da sala de aula, mas, sobretudo, pela complexidade de oferecer uma educação que deve antes de mais nada moldar culturalmente os indivíduos, equalizá-los socialmente, reciclar suas atitudes e, enfim, oferecê-los uma melhor opção de sobrevivência às vicissitudes do meio em que vivem.















Já na obra de Gus Van Sant, Gênio Indomável, que traz a ótima parceria Damon-Williams, vemos um cérebro inteligentemente blasé, mais propenso ao descanso e à boa vida do que aos desafios do mundo acadêmico, seduzir um ingênuo professor, que se enche de esperança ao acreditar que pode recuperar o errante gênio matemático, com passagens pela polícia e inúmeros casos mal resolvidos consigo mesmo. Por isso, ele desafia terapêutas, até render-se a um deles, com quem passa a se identificar. Mas os resultados não parecem incliná-lo à carreira profissional. Ele não está nem aí para o fato de ser um gênio.















Meu Mestre, Minha Vida
não descarta a carga dramática de um cenário caoticamente social em que estão inseridos os alunos fora da escola. Agora estamos em Nova Jersey, numa escola com sérios problemas de violência e tráfico de drogas. Usando métodos pouco ortodoxos, algumas vezes violentos, o professor transforma os alunos, inclusive conseguindo que sejam aprovados no exame do final do ano realizado pelo governo estadual. Já o chinês Nenhum a Menos (ver resenha do filme em datas anteriores neste blog) fascina pelo primor com que o excelente diretor Zhou Yimou conta a história da professorinha que recebe a missão de cuidar de uma turma de alunos, de uma escola no interior da China, cujo maior desafio é não deixar com que ninguém abandone a sala de aula na ausência do professor titular. A situação precária do lugar, a falta de experiência em ensinar da professora e a pobreza campesina se tornam, enfim, ingredientes indispensáveis para fazer desse filme uma jóia rara do cinema, ao mostrar da forma mais simples que os seres humanos, em sua essência, oferecem as maiores lições de vida.

Enigmas Humanos

Por muito tempo a obra de Herzog acalorou discussões a respeito da prática social condicionada, o convívio social como construtor da identidade psicológica do homem, o conflito entre consciência e sociedade, além de infinitos paralelos com correntes filosóficas de grandes pensadores. Mesmo com o grande escopo filosófico que o filme apresenta é possível olhar além das imagens na tela para enxergarmos com maior abrangência a condição na qual estamos inseridos em sociedade: um repositório passivo de convicções e verdades pré-determinadas, as quais tendem a nos levar mais à inabilidade do pensamento livre do que à realização de qualquer tipo de gestação intelectual, com base nas nossas experiências pessoais.

Herzog sempre teve interesse em temas exóticos que flertam com reflexões de nível psicanalítico, religioso, anteropológico, poético etc. Em O Enigma de Kaspar Hauser, há uma espécie de ápice reflexivo que nos guia, através da observação externa, aos recônditos da experiência pessoal. O filme inevitavelmente suscita Nietszche ao flertar com o conceito sobre verdade e mentira no sentido de que, em sociedade, recebemos a influência da linguagem num histórico cultural no processo de formação da percepção da realidade. Isto é, a informação a qual somos submetidos desde muito cedo afeta a nossa capacidade de compreender os fenômenos da realidade. Antes mesmo de termos qualquer opinião formada sobre tais eventos, as verdades se tornam absolutas e nos chegam sob a forma da imposição.

No filme, isso fica claro numa das cenas em que religiosos tentam incutir em Kaspar Hauser a idéia de Deus, obrigando-o a acreditar na sua existência sem qualquer evidência que a torne plausível. "Deve admitir o mistério da fé sem procurar entender," disse-lhe um dos padres efusivamente. O personagem central resiste bravamente ao ataque dos clérigos e sai aparentemente ileso da conversa. De outro modo, ele teria sido "vítima" da limitação do pensamento e sucumbido diante da tentativa de buscar em si o significado da idéia em função de uma definição restrita.

A partir da idéia da formação do ser humano em sociedade, a questão se desdobra da seguinte forma: Kaspar Hauser sofria de um déficit intelectual para com a sociedade, uma vez que não teve ele a oportunidade de aprender sobre o mundo à sua volta pelas vias normais do ensino tradicional ? Ou a percepção natural da realidade se torna mais aguçada pelo fato de não sofrer limitação de pensamento, nem sacrificar o sentido dos conceitos adquiridos através da experiência pessoal ?

Em outra cena do filme, um professor testa sua inteligência com a seguinte pergunta: "imagine que há uma aldeia onde só existem pessoas que mentem e outra onde só existem pessoas que falam a verdade. Desta aldeia, sai uma estrada que leva a você. Chega um viajante e você quer saber se ele veio da aldeia onde falam a verdade ou da aldeia ondem mentem. Para resolver esse problema com lógica só há uma pergunta a fazer ao viajante. Qual é esta pergunta ?" O professor espera alguns minutos sem que Kaspar Hauser pronuncie uma palavra. Então ele mesmo resolve responder. A pergunta que teria que ser feita é "você vem da aldeia que mente ?" Segundo o professor, com a dupla negação da resposta, ele poderia forçar o viajante a dizer a verdade e revelar sua identidade, usando a mais fina lógica. Mas Kaspar Hauser teria uma outra pergunta, para espanto do professor, que imediatamente protesta, "segundo as leis da lógica não há outra pergunta." Mas Kaspar insiste. "Sim! Existe outra pergunta," afirma ele com convicção. "Eu lhe perguntaria se ele é uma rã. Aquele que afirmasse ser uma rã seria da aldeia que mente." Lamentavelmente o professor não aceita a lógica da vida. "Não posso admitir isso," diz ele. "Isso não é lógica; é dedução. Como professor de lógica e matemática, não posso aceitar a sua pergunta."

O Enigma de Kaspar Hauser conta a história de uma pessoa que, logo após o nascimento, foi mantido escondido em um celeiro, privado de qualquer contato com o mundo externo até completar 18 anos. Quando é retirado, não sabe falar nem andar, sendo assim impossibilitado de articular raciocínios, pois estes são feitos através da linguagem, mesmo que em pensamento, e de interagir fisicamente com o novo ambiente. É ensinado a andar, e a reproduzir um punhado de palavras cujo significado ignora. O filme mostra a reação da sociedade ao lidar com um indivíduo nesse estado, possibilitando vários níveis subjetivos de leitura sobre os fatos ocorridos durante o filme. A obra de Herzog é magistral no sentido de propor uma reflexão sobre as nossas próprias convicções e deixa uma inqueitante pergunta reverberando na nossa consciência. Se pudéssemos retirar da nossa mente tudo que aceitamos como verdade até hoje, sobraria alguma idéia original das nossas experiências pessoais ?