Baseado no
mandamento “honra teu pai e tua mãe para que teus dias se prolonguem sobre a
Terra”, o Episódio IV conta a estória de um homem viúvo, Michael, que vive sozinho
com a sua filha única, Anka. Desde as primeiras cenas notamos que entre os dois
há perguntas não respondidas, pormenores de uma relação que crescem de
importância quando uma carta lacrada é encontrada pela filha. No envelope está
escrito com a letra da mãe falecida “abrir apenas depois da minha morte”. Nada
mais tentador do que uma ordem escrita dessa natureza. Mas Anka resiste diante
da carta jamais aberta. O pai sai em viagem de negócios e ela passa os próximos
dias com a carta na mão num embate pessoal entre abri-la ou não. A pergunta “o
que será que está escrito aqui?” parece saltar da tela através dos pensamentos
de Anka. A relação que ela tem com o pai ganha uma luz no final do túnel,
quando Michael retorna de viagem e ela lhe revela ainda no aeroporto que sabe
da existência da carta e do seu conteúdo: Michael não é o pai de Anka. O
primeiros ajustes dos não-ditos são feitos diante de uma foto da mãe quando
jovem entre dois rapazes – um deles pode ser o pai de Anka. Aqui, Kieslowski
abre um pouco mais o diafragma da sua lente para mostrar que Anka reserva pelo
pai um desejo incestuoso contido, secretamente também mantido por Michael. As
sutilezas de um roteiro escrito com maestria não precisam de meias palavras
para deixar claro nesse ponto da estória a cumplicidade de sentimentos que
ambos nutrem um pelo outro – olhares, gestos, comportamentos entre Michael e
Anka revelam muito mais do que qualquer texto. O Complexo de Édipo torna-se então
explícito embora até aqui tratado entre linhas.
Kieslowski
tratou de criar Anka como uma estudante de artes dramáticas para que ela
representasse na vida real as distorções de comportamento que adotamos quando
assumimos personagens. Ela é uma atriz em todos os sentidos, quando resolve
atuar como mulher de Michael. Contudo, através dessa representação, tanto pai
quanto filha atende uma falsa postura social e familiar diante do desejo carnal
que os atormenta. Esses universos misteriosos são enfim descortinados. O
desfecho da estória é surpreendente, levando a cabo a manutenção da mentira
como recurso de fuga de uma realidade oposta à outra muito diferente, idealizada
segundo desejos que conseguem vencer a barreira de um dilema moral. Não
sabemos, na verdade, no que se tornará a relação entre Michael e Anka, mas para
um bom entendedor uma boa trilha sonora final basta.