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segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

A Indústria do Medo

Assistindo O Mistério da Duas Irmãs ontem, o que aproveito para recomendar o filme, que é uma mistura muito bem dosada de suspense, drama psicológico-psiquiátrico e ghost movie, me dei conta de que os filmes do gênero têm a clara intenção de assustar o espectador. Tanto em cenas as mais banais quanto naquelas em pontos-chave da película, o medo pontua o gráfico dramático como se nos desse a ordem 'agora é hora de pular da cadeira.' Isso é irritante e em muitas partes do filme, desnecessário. Segundo normas supostamente estabelecidas nos roteiros, é padrão seduzir o espectador para um susto num terço da fita, outro susto num segundo terço e pisar no acelerador dos sustos no último quarto de tempo do filme, criando então um final chocante. Para dar um bom susto é preciso criar um ambiente prévio de aparente tranquilidade, relaxando o espectador antes de fazê-lo pular da cadeira. Quanto mais tranquila for a cena que leva ao susto, maior será o pulo da cadeira. Veja esse filme de uma propaganda de carro, por exemplo.



Entenderam ? Esse é o segredo de um bom susto. O medo ajuda o homem a evitar o perigo. Ele aumenta a eficiência do organismo. Logo que o cérebro percebe uma ameaça, o circuto do medo é acionado. Formado por núcleos cerebrais como a amígdala e o hipocampo, ele libera neuro-hormônios e neurotransmissores em defesa do organismo. Dopamina, endorfina e adrenalina caminham para o sangue. No alívio, quando o perigo é detectado e vencido, o cérebro desativa sua defesa e suspende a produção das substâncias. A alta do dopamina deixa deixa os sentidos alertas, proporciona ao mesmo tempo sensação de prazer e calma. Os intervalos de sustos nos filmes obedecem aos fluxos de produção da dopamina no cérebro. Quando em alta, o efeito é melhor e até vicia, posto que sempre buscamos esse tipo de prazer. Como acontece com os praticantes de esportes radicais. As atividades que geram maior perigo são as que produzem maior prazer - essa conclusão médica deve ser seguida, no entanto, da seguinte observação: maior prazer para aqueles que usam sua dopamina com uma certa tendência suicida.

Mesmo tendo vencido seus medos mais primitivos, como o de ser devorado por animais predadores, entre outros ao longo da história, o ser humano possui uma imaginação infinita para criar novos pavores de acordo com o pensamento atualizado de uma geração. Criou-se o medo dos bárbaros, das bruxas, dos monstros, dos vampiros, das pestes, dos marcianos, dos comunistas, dos ataques nucleares, das guerras, do George Bush, do Osama bin Laden etc. Cultura, sociedade e educação são os pilares na determinação dos medos do povo. O medo controlado na tela, com a certeza de que tudo aquilo não é real, e que a realidade tal como nós conhecemos estará nos esperando ao final da sessão, faz com que o público se permita algumas horas de pavor e sinta prazer nisso. O ser humano busca por instintos emoções fortes, seja em filmes de terror ou aventura ou em esportes radicais, de modo que podemos certamente asseverar que, um bom filme de terror é o mesmo que saltar de asa delta da Pedra da Gávea ou se lançar em queda numa Montanha Russa.

Essa predileção pelo prazer no risco ou no lado angustiante do terror tem explicação no lado cultural, psicológico e social do medo, um componente essencial na vida humana. O filósofo Aristóteles resolveu definir o efeito esperado da tragédia quando disse que "devia provocar no público a catarse, por meio da piedade e do terror." Só assim o público conseguiria purgar seus conflitos interiores e se arrepender dos seus pecados. As cenas horripilantes da mitologia grega, como a de Prometeu, Édipo, Sícifo, entre outros, tinham a intenção de fazer o povo depurar seus próprios sentimentos. E, hoje, o principal dispositivo da arte é fazer o público viver experiências que não seriam possíveis no mundo real. Filmes de monstros e fantasmas, então, são os melhores para deixar vir à superfície o lado obscuro tanto do ser humano, quanto da realidade em que vive. Bem, isso é de certa forma lamentável, porque, aqui, a arte pouco pode fazer para evitar a realidade fora das salas de cinema.

A concepção artística da realidade, retratada nas telas, cria uma suposta imagem quimérica para o mundo sobrenatural, dando a entender que a paranormalidade é uma invenção só vista na indústria cinematográfica. Desde a infância, somos educados a temer o desconhecido, o sobrenatural, o paranormal, as criaturas do além, fantasmas e espíritos, tendo a religião como base na criação deste medo. A convivência pacífica com o dom da clarividência é simplesmente impensável. A comunicação multidimensional pode ter levado muitos ao manicômio. A paranormalidade inata, natural e sadia é uma coisa para se guardar a sete chaves e temer sobre todas as outras coisas. Ironicamente não fomos feito para saber quem de fato somos nem para compreender completamente o espaço em que vivemos. O restringimento físico é sábio, posto que respeita nossa condição anímica de limitações e ignorâncias.

Com a maturidade, podemos ir, pouco a pouco, nos libertando dos grilhões das lendas urbanas e dos mitos religiosos seculares, os quais fundamentaram as bases do sentir medo de espíritos. Embora não seja uma tarefa nada fácil, quando estivermos preparados para enxergar a vida através de uma lente grande angular, veremos o quanto deixamos de evoluir por temer a nós mesmos, numa outra dimensão.

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