
No livro Humano Demasiadamente Humano, Nietzsche afirma, "quem quiser seriamente (alcançar a maturidade) perderá de mais a mais, sem qualquer constrangimento, a propensão para os erros e vícios; também a irritação e o aborrecimento o acometerão cada vez mais raramente. É que a sua vontade não quer nada mais instantaneamente do que conhecer e o meio para tanto, ou seja, a condição permanente em que ele está mais apto para o conhecimento."
A maturidade humana não está necessariamente condicionada à qualquer questão cronológica - experiência sem consciência de nada serve - e é justamente nesse ponto que o filme da diretora Marion Hänsel, Entre O Inferno e O Profundo Mar Azul, desce suas âncoras para nos mostrar uma bela história de amizade, aprendizado humano e interassistência na prática. Em Diário, Delacroix diz que "a posição em que a idade nos coloca é uma ironia da natureza."
O filme conta a história de Nikos, um homem infeliz, atormentado pelo seu passado, perdido e viciado em ópio, cujo navio está ancorado no porto de Hong Kong à espera de um comprador, e Li, uma garotinha pobre, mendiga, que parece embarcar diariamente em navios estrangeiros atracados à procura de comida, dinheiro e trabalho, o que, por fim, acaba conseguindo no navio de Nikos.


Quando ele a convida para ir à cidade, a história mostra a saída do inferno para algo mais humanamente digno. É quando Li passa a exercer, com uma naturalidade inviolável e uma maturidade assombrosa, sua capacidade assistencial. A menina o leva a conhecer o local em que viveu, visita a mãe na fábrica em que trabalha como escrava e assoitada pelo marido e depois o apresenta o pai no asilo. A maneira com que Li frequenta seu passado, assiste seus pais e revisita um tempo que muitos preferiam esquecer, é uma lição de vida e esperança para Nikos, que, em um dos diálogos mais marcantes do filme, diz à menina, "você ajuda sua mãe, ajuda seu pai, ajuda seu irmão e sua família, e ainda está me ajudando ?" A menina olha para ele com muita tranquilidade e responde, "a vida não pode se diferente."
O roteiro de Entre o Inferno e O Profundo Mar Azul é uma adaptação de um conto chamado "Li", do escritor e poeta grego Nikos Kavvadias (1910-1975). O filme é sublime, com a intenção de mostrar não apenas que maturidade e idade adulta não necessariamente devem pertencer à mesma pessoa, mas, sobretudo, que, ao tentar enxergar o macro na assistência ao outro, deixamos de compreender o micro, sem o qual o macro perde todo o sentido. O problema não reside, entretanto, na nossa busca incessante pelo ideal, posto que está é uma das inquietudes humanas necessárias, mas na direção em que olhamos para encontrar esse ideal. Ele não estará no que é concreto.
O filme infelizmente não ganhou um lançamento em DVD, apesar de ter sido lançado em 1995, e está disponível apenas em fitas VHS.
Casting No Shadow (1991) - Wim Mertens (da trilha sonora do filme Entre o Inferno e O Profundo Mar Azul)
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