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domingo, 5 de setembro de 2010

Uma Obra Solo de Sensibilidade

O filme Goodbye Solo, do diretor americano (apesar do nome) Ramin Bahrani, é, aparentemente, um fime linear, sem grandes cenas nem grandes emoções. Mas a sutileza com que, aos poucos, a estória se desenvolve, descortina um ambiente onde não apenas o drama existencialista se faz presente, como revela questões culturais e sociais ainda polêmicas no sul dos Estados Unidos.

Como em O Gosto de Cereja, do iraniano Abbas Kiarostami, Goodbye Solo mostra a trajetória do senhor William em busca de um suicídio planejado. Ele contrata os serviços de um taxista para levá-lo à um parque nacional, onde planeja saltar para a morte de um dos despenhadeiros. No entanto, a tentativa do taxista senegalês de criar uma amizade com o seu cliente proporciona ao filme uma linha dramática sensível e cheia de sutilezas da metalinguagem. Tal tentativa acontece não apenas pelo bom humor com que o taxista encara sua prórpia vida e problemas, mas, sobretudo, a partir da sensibilização que ele demonstra pela condição de vida terminal do passageiro, como se, ali, conservar a vida do pobre velho fosse uma meta a ser atingida.

As personagens centrais se revezam em atuações primorosas. Por um lado, vemos Solo, o taxista senegalês, negro, que deseja apenas um futuro melhor para sua família em seu novo país, apesar de sua luta ser explícita para garanti-lo. Por outro, o americano William que deseja se matar só tem as lembranças do passado como fonte de sentimento. Uma relação de amizade improvável no sul dos Estados Unidos, ela vai aos poucos ganhando cotornos de possibilidade com a devoção com que Solo encara essa amizade e o desafio para torná-la realidade. Incansável, ele é o retrato da compreensão, da superação e do entendimento do outro, um requisito básico, apesar de difícil, para se fazer assistência.

O filme cria um ambiente para instigar a imaginação do espectador, tal é a riqueza de elementos exploráveis na estória. O drama existencial desenvolve seu discurso social e político com base na incomunicabilidade entre os dois personagens, que, de certa forma, estão no mesmo patamar de exclusão social, esquecidos na periferia da riqueza e do desenvolvimento. Porém, paradoxalmente, eles encontram algum entendimento. Na medida em que vemos a imaculada aceitação do taxista negro aos arroubos de grossura e intolerância do velho sulista, entendemos que essa compreensão é a resposta essencial para se chegar a algo além da discórdia e o distanciamento. Consequentemente, ambos se transformam, embora não o suficiente para que eles encontrem alguma redenção.

Na cena final (foto da capa), o taxista joga no despenhadeiro um graveto. Um ato simbólico inteligente e significativo, construído a partir dos sentimentos tortuosos que temos que enfrentar quando decidimos investir na assistência ao outro, somente realizável se movida por elementos realmente sublimes da natureza humana: compreensão, respeito e desejo de reconciliação. Algo que, quando ou se alcançado, nos redime, muito embora essa redenção não dependa da resposta que teremos do outro, pois, nem sempre, nossa intenção, por mais sublime e imparcial possível, será vista por quem não tem olhos, pelo menos naquele momento.

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