Bem-vindos ao Cinema & Consciência, um novo espaço para a difusão e a discussão do cinema brasileiro e internacional. Vamos falar de filmes ou documentários, discutir ética e estética do cinema, com enfoque nas pessoas, nos temas e nos fatos. Os comentários dos visitantes serão sempre bem-vindos.

Todos os textos neste blog são de autoria de Mário Luna, salvo aqueles em que a fonte for mencionada.
Críticas construtivas e sugestões em geral, envie e-mail para este blogger: cinemaconsciencia@gmail.com

"Não acredite em nada que ler ou ouvir neste blog. Reflita. Tenha as suas próprias opiniões e conclusões"





sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Maldição Sustentável

Além, obviamente, da intenção de provocar medo e instigar a curiosidade dos mais afoitos a bisbilhotar os mistérios do além e afeitos em geral a filmes macabros, as produções de filmes conhecidos como de terror têm enfrentado novos desafios nos últimos anos, a fim de arriscar alguma renovação na maneira com que atormentam o espectador.

Recentemente, uma chusma de títulos de filmes para assombrar têm apresentado o ameaçador aviso de que a estória é baseada em um caso verídico, e o filão ganhou proporções de ousadia jamais vistas antes. Em "Contato de Quarto Grau," por exemplo, a estória fictícia ganhou ares de caso verdade com tanta seriedade e empenho imaginativo que o drama escrito pelo roteirista e também diretor Olatunde Osunsanmi chegou às páginas de alguns jornais americanos como um furo jornalísitico extraordinário, para assombro da população e consequente promoção do filme, tudo financiado pelo estúdio responsável pela produção. A ousadia decerto valeu mais tarde alguns processos judiciais, mas, então, o filme já acumulara com biheteria milhões de dólares suficientes para cobrir os gastos advocatícios.

Por conta disso, foi com certo ceticismo que me entusiasmei a ver An American Haunting, literalmente “Um Assombro Americano,” mas que, no Brasil, ganhou o título resumido de Maldição, fruto, supostamente, da intenção sensacionalista de promover o assombro contido no drama. A curiosidade veio também pelas presenças ilibadas de atores como Donald Sutherland e Sissy Spacek no elenco, o que, para os amantes da boa encenação, seria mais do que suficiente para dar crédito à produção. O título original se explica pelo fato da estória ser vendida como “o único caso registrado de possessão em que um espírito tirou a vida de um homem,” fato o que o tornou célebre nos EUA desde o tempo em que tais escritos foram revelados.

 
A estória segue alguns padrões rígidos da indústria cinematográfica para filmes de terror sobre possessão maligna. A casa é antiga, a família ignorante sobre o assunto, a adolescente usa camisola, as possessões acontecem numa cama, há um lobo enfurecido, com luzes nos olhos (não, dessa vez não há corvos), há chuva, raios e trovões, objetos arremessados, vozes moduladas para o grave, aparições assombrosas e a presença inevitável de um padre rezando salmos exorcistas que não servem para nada. Até aí o filme não traz novidades. O que Maldição traz de novo é um final surpreendente e, por conta dele, o entendimento da estória descortina um drama plausível e coerente se com a devida consideração ao estudo realizado até aqui sobre o fenômeno parapsíquico da possessão maligna.


Entre os anos de 1818 e 1829, em Red RIver, no estado do Tennessee, nos Estados Unidos, a família Bell foi assombrada por uma presença maligna. Primeiro surgiram estranhos barulhos na fazenda, depois a filha do casal começou a ter pesadelos horrorosos, com os quais a família não sabia lidar, até que um padre foi chamado ao local, mas, as preces não surtiram efeito. Ao contrário, os eventos ganharam intensidade e casos de poltergeist se tornaram frequentes, até que a família entrou em colapso psicológico e o desespero pela impotência diante dos fatos foi inevitável. Na medida em que os ataques noturnos à menina passaram a ser cada vez mais fortes, o seu professor entra em cena. Porém, cético, ele não foi de grande ajuda no sentido de frear os acontecimentos e estancar os efeitos catastróficos dos assédios diários. 

Os eventos macabros começaram, na verdade, a partir do momento em que o pai da menina ganha as terras que pertenciam à uma outra moradora da região, que, supostamente, tinha direitos sobre elas, mas que, de forma espúria, vê seu patrimônio ir pelos ares. Ao fim do julgamento, quando o juiz do lugar passa o direito das terras para o fazendeiro, a mulher se rebela e lança uma maldição à família Bell. No final do filme, entenderemos a importância dessa cena, pois, segundo a crença local, a mulher era uma bruxa. Mas a sucessão de fatos desencadeados a partir do julgamento das terras vai num crecendum até o clímax revelador no final do filme, ocasião em que as peças se encaixam e a verdadeira raiz mal, o seu nascedouro, se esclarece.

O filme tem o mérito de modernizar com sucesso o filme de horror gótico, subgênero que estava um pouco fora de moda - não há nada mais cinematograficamente desalentador e cansativo do que assistir a filmes sobre possessões demoníacas. Primeiro, por que a figura lendária do demônio criada pela igreja há milênios para não só ser o adversário do bem, representado pela figura divina,  mas também para atormentar os pecadores, já causou embates suficientes para perder a credibilidade. Segundo, por que as refregas infernais já não trazem mais aos espectadores nenhum elemento educativo nem qualquer novidade, salvo se você ver alguma coerência na estória que explique não o caso de possessão em si, mas alguns fatos que, de alguma forma, sirvam de exemplo para as possessões que enfrentamos  ou podemos enfrentar no dia-a-dia, produto muito mais de nossas fraquezas intraconscienciais e debilidades energéticas (as mais variadas) do que por competência do assediador.

É aqui que a estória de Maldição faz algum sentido. O argumento é coerente quanto às razões pelas quais os eventos começam e  fazem igualmente sentido no que a estória guarda como tema de fundo. Nenhuma entidade ou consciência extrafísica tem livre acesso ao nosso universo intraconsciencial sem que tenhamos oferecido o caminho das pedras, aberto as portas da sala de comando. A perda do mando de campo é invariavelmente a perda do próprio domínio energético, facilitado (muito provavelmente) por interprisões grupocármicas  patológicas e um nível evolutivo ainda bastante reumático.


A figura do adolescente é assim justificada por ser o centro de energia anímica mais potencialmente ectoplásmico da casa, com quantidade suficiente para dar cabo dos arroubos do visitante. "As escalafobéticas atividades telecinéticas do poltergeist, a exemplo do arremesso e destruição de objetos, batidas e arranhaduras audíveis, levitação de móveis, parapirogenia, materializações, traumas físicos, dentre inúmeras outras provas já documentadas pela literatura, cujo doador de ectoplasma em geral é a criança, pré-adolescente ou adolescente, moça ou rapaz, morador da residência acometida (Couto,  2010). O desmando energético pode ser resultado de padrões anticosmoéticos, autocorrupções, imaturidades pluriexisenciais e um parapsiquismo para lá de desequilibrado.
O jovem é o combustível para a atuação das consciências extrafísicas baratrosféricas, motivada por uma interrelação patológica promovida muitas vezes não só por um outro membro da família como por pessoas do próprio grupocarma do adolescente, como é o caso em Maldição. O que parece ser a intromissão descabida de um estranho do além, nada mais é do que a forma mais acessível que a consciência extrafísica encontrou para expressar suas mazelas e reclamar seu passado na pele de alguém com quem tem afinidade suficiente para isso. O padrão energético da nossa casa é de nossa inteira responsabilidade. Maldição é um filme para ser assistido sem preconceitos e com um bloco de notas para a pesquisa fenomenológica.
 
 
 
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário