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segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Abbas Kiarostami: O Cinema Humano


Cineasta, fotógrafo e poeta iraniano, Abbas Kiarostami busca na criança um cinema humano para todas as idades, fazendo da essência das vulnerabilidades humanas sua maior inspiração. Seus personagens são tão reais que não raramente a identifcação imediata com o drama é inevitável. Kiarostami é uma aula de se fazer cinema com um olhar consciencialmente educacional.

Abbas Kiarostami nasceu em Teerã em 1040. Formou-se em belas artes antes de iniciar carreira de designer gráfico. Após breve incursão em filmes publicitários para a TV, foi convidado pelo governo de seu país, em 1970, para dirigir a seção de cinema do Kanun (Instituto para o Desenvolvimento Intelectual das Crianças e Adolescentes), época em que estreou com o curta-metragem "O Pão e o Beco." Seus filmes, inspirados no neorrealismo italiano, tornou-se conhecido no Ocidente somente após a revolução iraniana, com a premiação, no Festival de Locarno, do longa-metragem "Onde Fica a Casa do Meu Amigo" (veja crítica neste blog). A partir dos anos 1990, ele torna-se uma espécie de ícone da resistência democrática no Irã e fonte de inspiração para a eclosão de dezenas de cineastas iranianos.



Entre seus filmes mais conhecidos, encontram-se Close-Up (1990), lançado por aqui somente em VHS, "E a Vida Continua" (1992), disponível em DVD, sobre uma região do norte do Irã devastada por um terremoto em 1990, "O Gosto de Cereja (1997), também só disponível em VHS, "Através das Oliveiras" (1994), somente em VHS, e, recentemente, "Dez" (2002), já disponível em DVD. A crítica batizou seu gênero de car movies, por ele privilegiar filmagens dentro de automóveis em movimento. Nos anos recentes, também tem obtido resultados significativos com as novas técnicas de filmagem digital. Como fotógrafo, Kiarostami registra exclusivamente paisagens de seu país natal. Também escreve poesia, parcialmente influenciada pela grande poesia mística persa dos séculos XV e XVI, tendo recebido tradução na França (Avec le vent: Pol, 2002).



Entre suas premiações mais importantes, encontra-se a Palma de Ouro do Festival de Cannes, em 1997, por "Gosto de Cereja" e o Leão de Ouro do Festival de Veneza, em 2000, por "O Vento nos Levará."  Kiarostami se destaca pela visão realista da sociedade iraniana - que vale para muitas outras em todo o mundo -, pois a carga dramática humana é facilmente reconhecível e assimilada por qualquer espectador menos propenso às autocorrupções e atento para entender e superar os desvios da natureza humana. Os filmes de Kiarostami têm presença constante nos maiores e melhores festivais de cinema do mundo, sempre com chances de levantar os prêmios mais importantes. Sem nunca deixar de ser um cineasta visionário, enveredou também pelo campo documental e realizou "ABC África," em 2001, onde construiu um retrato fiel do continente assolado pela AIDS.



A discussão filosófica sempre permeia os dramas mostrados por Kiarostami, mas seus filmes passam muito longe do gênero intelectualóide e não são tampouco o que muitos críticos definem como pseudo-intelectuais. Apesar de sua visão realista explorar universos pouco visitados da natureza humana, pela maioria das pessoas, ele faz uso de uma linguagem acessível e compreesível a todos os que tenham, em algum momento, uma conversa séria consigo mesmo. Esse universos extremamente ricos de significado faz com que tudo possa acontecer nos filmes de Kiarostami. Princípios, valores, vida, morte, ética, civilidade, humanidade, fraternismo, assistencialidade, desenganos etc. são temas frequentes em seus dramas. O improvável, talvez, aconteça longe das cameras, pois, num momento em que o cinema privilegia o drama banal, de uso imediato no melhor estilo junk food, a computação gráfica para deslumbrar espectadores, as catastrófes mundiais para ameaçar platéias, o terror tanatofóbico de monstros e fantasmas para assustar, é realmente surpreendete que os filmes intelectualizados de Abbas Kiarostami, em que nada mais há além de cenários e personagens realistas de um lado e uma simples camera do outro, façam tanto sucesso mundo afora, e que eles sejam um sinal de que o bom cinema não morreu para o público.



O conceito usado acima de cinema para uso imediato no melhor estilo junk food se justifica nas produções conhecidas como blockbusters, ou seja, sucesso de bilheteria e com grande apelo de marketing, em quer o espectador vê um drama orgânico, como introdução, desenvolvimento, clímax e fim, sem ter tempo para pensar. Na verdade, ele não precisa pensar. Está tudo ali na tela. Ele sai da sala com o coração palpitante, mas nada mais ficará do filme além dessa sensação de montanha-russa, depois que ele relaxar no primeiro bar ou restaurante perto do cinema. Nesse aspecto, Kiarostami segue o caminho inverso, sendo a antítese da grande produção cinematográfica. Seus filmes tem um ponto de partida, mas jamais um de chegada. Esse onde chegar fica ou deve ficar por conta do espectador. Isso não significa, entretanto, que os dramas sejam inacabados ou com aqueles irritantes roteiros onde escolhemos o final. Mas, sim, que as estórias grudam na consciência do espectador após a exibição, ficando, ao invés do coração palpitante, uma inquietação discussiva e uma ansiedade para tirar os nós dos pontos em que criamos os nosso vínculos pessoais com o drama vivido pelas personagens. Onde pretendemos chegar após assitir a um filme de Abbas Kiarostami? Há duas dicotomias básicas como saídas: o auto-engano ou o enfrentamento, a discussão interior ou o auto-esquecimento? (porque os filmes certamente irão pertubar a sua consciência - sem ameças, claro).



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