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quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Uma Difícil Formalidade

O Mensageiro fala sobre a morte para os que ficam, para os que a comunicam, para os que a recebem como notícia, para aqueles que acham que a superaram e para aqueles que a superaram e não sabem. Dentro de uma realidade rotineira americana nos último anos, o filme aborda o momento em que o Estado, seguindo sempre um protocolo rígido, frio e impessoal, notifica formalmente as baixas da Guerra do Iraque às famílias de ex-combatentes. 

O filme apresenta um roteiro bem escrito, estruturado, simples e que vai direto ao seu propósito. Além disso, a estória em si oferece uma série de possibilidades para tornar o drama bem sucedido, pois o tema é profundo, atual e próximo da realidade de qualquer um, pois lidamos sempre com a ameaça de uma perda na família. Este filme não é, entretanto, sobre a morte para aqueles que se vão, mas para aqueles que ficam e o duro trabalho da sua notificação é feito por dois soldados designados exclusivamente para isso. É interessante observar, entretanto, a luta que ambos travam contra uma assimilação simpática (envolvimento promovido por uma ligação energética, a qual, caso seja de caráter negativo, envolve emocionalismo) quase inevitável.


O drama que os soldados enfrentam no dia-a-dia, com essa tarefa, mostra a difícil responsabilidade de se lidar com a dor do outro, sem que haja qualquer envolvimento emocional. O protocolo é feito de uma maneira tão rígida e disciplinada que os soldados são psicologicamente preparados para não ouvir choros, gritos, histerismos, nem sentir na pele reações as mais agressivas, desde xingamentos e impropérios contra o Estado até ataques físicos dos familiares. A carapaça dura dos soldados para desempenhar a função (de saco de pancada) vai aos poucos amolecendo e a fortaleza emocional não suporta a pressão até ruir diante do doloroso destino daquelas famílias.


Um dos soldados ainda sente na pele os efeitos da guerra. Ele mesmo é atormentado pelos fantasmas que trouxe do Iraque, de onde voltou com ferimentos na perna e no olho esquerdo, Sem permissão para voltar à ação, ele agora tem de se contentar com esse pesaroso trabalho.  O soldado que se tornou seu parceiro foi quem o treinou e o introduziu na função. Os dois têm temperamentos completamente diferentes e se espezinham no começo da parceria, pois o veterano no cargo é, aparentemente, menos emocionalmente vulneravel do que o seu pupilo, mas uma proximação (inevitável) acontece nos solavancos das notícias de morte. O interessante é ver que, embora um dos soldados seja claramente mais emocionalmente vulnerável,  a dureza do outro não terá vida longa, pois ele não consegue resisitir ao desalinho das suas próprias emoções diante daqueles fatos.



Na lista de famílias que recebem a notícia, há uma jovem esposa de um combatente e seu filho. Ela depois revela a sua dependência emocional com o marido morto, uma interprisão que a fez resisitir aos arroubos de um homem violento em casa e que dizia preferir ir à guerra, pois não sabia viver em família. No variado leque de personagens marcados para o sofrimento da perda, há uma mulher casada que passou a viver com outro homem antes mesmo de saber se o marido havia morrido. De modo que a notícia de que ela era casada chegou para o novo parceiro junto com a de morte do seu marido - diga-se aqui, uma cena extremamente bem dirigida. Nesse leque, inevitavelmente, um dos soldados se envolve afetivamente com a viúva do ex-marido violento. Os dois são atraídos pelas circunstâncias pesarosas, mas há sentimento na relação. Ele passa a acompanhá-la, faz visitas e tentar promover uma aproximação com o filho dela. Suas tentativas são sinceras e coerentes com a inteção de começar uma relação a dois. Ela aos poucos cede aos seus encantos e à sua obstinação, até que ambos decidem assumir uma atração mútua e reconstrutiva. 

O filme é forte, com um texto afiado e uma dupla de protagonistas que merece respeito. Mas quando o roteiro muda para entrar na segunda parte, a qual explora a realidade emocional dos protagonistas, o ritmo cai um pouco e narrativa fica lenta (para os amantes de filmes europeus, isso não chega a ser um problema), embora muitos colóquios sejam magistrais, como a conversa que os dois soldados têm na cozinha da casa de um deles, onde o veterano ouve do parceiro uma de suas proezas na guerra, a de salvar um companheiro numa de muitas batalhas urbanas. Nesse momento, vemos a fortaleza do veterano ruir de vez, a casa cair e o balde ser chutado. Ninguém é, absolutamente, de ferro.


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