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domingo, 21 de novembro de 2010

Uma Obra Master

Dos filmes ficcionais do início de carreira, passando pelas reportagens cinematográficas do Globo Repórter e culminando com o ícone biográfico Cabra Marcado para Morrer, a obra de Eduardo Coutinho hoje se mostra transformadora, e não seria exagero considerá-la revolucionária. Suas reformulações estéticas revelam o radicalismo inovador com que o documentarista faz cinema. Além disso, o conjunto de sua obra se desdobra numa série sistemática de métodos e posturas políticas, formando um verdadeiro tratado a partir da observação do ser humano brasileiro na construção do seu imaginário popular.

Coutinho realizou 15 obras como diretor e roteirista e já passou por experiências tão distintas que podemos afirmar que sua carreira foi marcada por contrastes. Em sua complexa coleção, 5 obras, entretanto, se destacam: Cabra Marcado para Morrer, Santa Marta, Santo Forte, Babilônia 2.000 e Edifício Master, uma imersão na natureza humana, urbana, e incrivelmente relevadora. Cada um desses filmes representou uma nova direção em sua cinematografia e definiu um avanço na maneira com que se faz filmes no país. Mas o que, hoje, parece ter levado Coutinho ao limite de sua capacidade criativa é, na verdade, uma pausa para o seu próximo empreendimento. A recorrência da interação criativa com espaços delineados na periferia da sociedade, explorando os temas da pobreza e do exotismo cultural, continua mostrando que o seu leque de possibilidades é inesgotável e, assim, nada parece ameaçar o cinema de Eduardo Coutinho.    


Em Edifício Master, a sede do cineasta pela investigação social e urbana, a mesma vista anos atrás em Santa Marta e Santo Forte, ressurge com uma intensidade desconcertante e faz Coutinho retomar seu espaço de criação com algo tão inovador que seria um sacrilégio acusá-lo de repetição. A realidade brasileira mostrada cruamente revela um amálgama humano rico em histórias, com H mesmo, e uma farta casuística de comportamento. No prédio de Copacabana, vemos um Coutinho entusiasmado com a sua realização, curioso com os fatos e capaz de surpreender os críticos mais céticos.  Cada depoimento em Edifício Master apresenta uma rica fonte de inspiração para a pesquisa da natureza humana, no discurso da verdade objetiva.


O documentário sai da marginalização para mostrar a classe média carioca, com uma energia marcante, num ritual de fragmentos humanos em ebulição. Aqueles corredores com inúmeras portas nos mostra o rico menu de onde ele encontra inspiração para a multiplicação de discursos. Ali revela-se também o verdadeiro e o falso, o original e a cópia, na costura de expressões que se desenrolam da intuição a verdadeiras performances diante da camera. Vemos tão bons atores na auto-corrupção quanto na atuação sincera diante de fatos que, em sua essência, dispensam tais interpretações. Isto é, a informação é rica por si só, pois no cinema de Coutinho não existe verdade estática, apenas a verdade relativa de ponta: a verdade do evento, ali, no momento em que ele se desenrola na frente da camera, numa performance viva.

O desfile de tipos em Edifício Master, como o homem outrora importante, que hoje canta My Way de Sinatra, o ator outrora famoso e hoje escondido no prédio, a mulher que conta sobre um assalto, o discurso ornamentado do síndico, a mulher que quase se matou por ciúme do marido, com quem teve 22 filhos, 15 dos quais abortados, mostra a riqueza humana que Coutinho nos presenteia. Consciências dissonantes que juntas formam esse harmonioso amálgama humano no exercício da interrealação. Coutinho deixa claro que o seu registro visa unicamente formar um todo eficiente, o grande quadro humano, a partir de boas partes. Como minipeças de um maximecanismo os moradores nos mostram a maneira com que tocam aquela máquina. Parece que, a partir do acaso, Coutinho constrói uma realidade com precisão, como um bom catalizador de imagens. Aliás, a precisão e o acaso são marcas criativas das quais Coutinho não abre mão em suas obras e as utiliza não apenas por talento, mas, sobretudo, por ética na sua relação com a estética do real.

Edifício Master foi realizado num período de uma semana. O diretor e sua equipe percorreram todos os apartamentos para convidar os moradores a contarem suas histórias, seus sonhos, realizações e aspirações. Histórias, diga-se, de gente comum, de quem está por trás das câmeras e gostam, de uma forma ou de outra, e em sua maioria, do isolamento. Os personagens reais de Edifício Master, como contadores de histórias de si mesmos, fazem do filme um verdadeiro registro da vida urbana brasileira, com seus contrastes e suas semelhanças interiores, seus isolamentos e liberdades, numa vasta rede de casuísticas pessoais, porém, sem a intenção de representar um estilo comunitário: eles são únicos em sua essência, vivendo entre os 276 moradores do edifício, em pleno bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro, num prédio que já foi ponto de prostituição.



O grande trunfo de Edifício Master é que ele mostra uma realidade que, aos poucos, vai identificando-se com a do espectador, e isso o diretor Eduardo Coutinho sabe fazer com maestria, mostrando que é possível transformar um simples edifício, como tantos outros da cidade, em cinema de primeira qualidade.

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