Bem-vindos ao Cinema & Consciência, um novo espaço para a difusão e a discussão do cinema brasileiro e internacional. Vamos falar de filmes ou documentários, discutir ética e estética do cinema, com enfoque nas pessoas, nos temas e nos fatos. Os comentários dos visitantes serão sempre bem-vindos.

Todos os textos neste blog são de autoria de Mário Luna, salvo aqueles em que a fonte for mencionada.
Críticas construtivas e sugestões em geral, envie e-mail para este blogger: cinemaconsciencia@gmail.com

"Não acredite em nada que ler ou ouvir neste blog. Reflita. Tenha as suas próprias opiniões e conclusões"





segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Infernos Mentais

Muitas crianças têm seus monstros. O meu era pensar que um espírito podia possuir meu corpo durante a noite e matar meu pai. Obviamente ficar sem meu pai me atormentava muito mais do que a idéia de que um espírito pudesse possuir meu corpo. Mas, por volta dos 11 ou 12 anos de idade, eu me viciei nesse tormento, porque criei uma realidade especial para ele. Quando a idéia emergia no consciente não conseguia mais freá-la e o circo do pânico estava montado. A idéia entrava em loop, um problema que eu só resolveria muitos anos depois, quando soube que espíritos não entram em corpos por sua própria vontade e que o amor, enfim, nos resguarda da ação daqueles de piores qualidades. Uma formiga não entra em casa de abelha. Porém, mais do que falar sobre a lógica e as origens de tal psicotismo e as conseqüências do mesmo na adolescência, gostaria de pontuar a facilidade com que as crianças criam universos paralelos, realidades alternativas não menos verdadeiras do que àquelas que vivemos, seja em brincadeiras ou por autoflagelo. Quando acreditamos que algo é verdadeiro, tudo nos leva a manter essa crença e o universo conspira para nos manter longe da realidade comum. Foi justamente numa dessas realidades paralelas que Nicolas (nome original do personagem) entrou para nos brindar com O Pequeno Nicolau, um desses filmes que nos divertem com conteúdo.


O personagem Nicolas (ainda não sei porque a tradução para o português trocou Nicolas por Nicolau, já que se tratam de dois nomes distintos e tanto no Brasil quanto na França ambos são usados – sendo assim, vou manter o nome original quando me referir ao personagem) foi escrito por René Goscinny, um dos autores de Asterix, no final dos anos 50, e os seus livros ilustrados por Jean-Jacques Sempé. Poderíamos dizer que o Pequeno Nicolas é a versão francesa do Menino Maluquinho, isto é, toda criança francesa conhece porque as estórias, assim como as de Asterix, atravessam gerações. Vale ressaltar aqui que, por ser um personagem nacional, deveria ter sido levado para o cinema há mais tempo. Voilá. Contudo, dirigido por Laurent Tirard e também escrito pelo diretor em parceria com o comediante Alain Chabat e Grégoire Vigneron, o filme O Pequeno Nicolau não é uma adaptação de uma das estórias de Goscinny, mas uma obra original.


O monstro criado por Nicolau surgiu com a suspeita de que a sua mãe estava grávida. Quando soube que teria um irmão, um sentimento de rejeição mais forte do que a razão e a lógica juntas se apoderou dos seus pensamentos e ocupou inteiramente suas preocupações. Nada podia remover a convicção de que seus pais estavam tentando se livrar dele com a chegada do mais novo rebento. Ele criou com tanta certeza a idéia de que seria desprezado quando a criança nascesse que passou a criar estratégias de autoproteção e é aqui que o filme, de fato, começa. Segundo a teoria dos universos paralelos, primeiramente escrita pelo físico americano Hugh Everett, em 1950, cada vez que uma possibilidade física é explorada, o universo divide-se em realidades, cada qual tendo o seu próprio universo não menos real do que aquele que conhecemos. Ou seja, quando criamos um universo paralelo, vivemos toda a realidade daquele universo e suas consequências físicas. Isso explica, por exemplo, a existência de doenças psicológicas - e até gravidez! Segundo Everett, num acidente de carro em que o motorista não morre e sai ileso, em algum universo ele pode ter morrido, assim como em algum universo ele pode ter se ferido, ou em outro se recuperado do acidente após uma boa estada no hospital. Os universos paralelos abrem infinitas possibilidades, cabe a nós escolher em que realidade vamos viver.


Quando criamos um inferno mental, vivemos todos os efeitos e consequências desse estado pertubador. O corpo padece, a mente agoniza e o espírito sofre uma angústia criada unicamente para fins de autoflagelo, que resiste como um vício do qual não é tão simples assim livrar-se. Na realidade externa, Nicolau leva uma vida pacífica, seus pais o amam e ele tem uma turma de amigos pestinhas na escola que apronta todas. A sua estratégia de autoproteção na eminência de ser abandonado pelos pais, quando o irmão nascesse, consistia em fazer-se indispensável. Seus primeiros planos, entretanto, não surtem o efetio desejado por ele. Outros são colocados em prática. Com a ajuda dos amigos da escola, ele cria novos estratagemas para a sua autodefesa e diversos planos entram em ação. Embora todos eles sejam muito bem elaborados, no final, os resultados são nulos. Nesse torvelinho ensandecido de planos mirabolantes que não resultam em nada realmente efetivo, Nicolau encontra um menino da escola cujos pais acabaram de ter um outro filho. Ele fala da chegada do irmão, da importância desse acontecimento em sua vida e do lado positivo de ser o irmão mais velho, transformando por fim o universo paralelo de sofrimento e angústia em que Nicolau se meteu desde o dia em que percebeu que ia ter um irmão. Mas uma grande supresa ainda estaria por acontecer na vida do pequeno Nicolau.

Nenhum comentário:

Postar um comentário