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quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

As Inverossimilhanças do Medo

Nada mais normal do que se fazer uma sequência para blockbusters, ou campeões de bilheteria, ainda mais quando o primeiro filme tem no curriculum uma arrecadação de mais de US$ 60 milhões nos Estados Unidos logo na primeira semana. Arrebatador. Porém, tanto o #1 quanto o #2 desse thriller de terror apresenta a mesma intenção, isto é, fazer o espectador pular de cadeira de susto enquanto está no cinema e, mais tarde, deixá-lo vidrado de medo na cama na hora de dormir em casa. A intenção de assustar o espectador tem lá os seus méritos, mas para ser eficiente nesse quesito Atividade Paranormal 2 abriu mão de uma estória coerente e com algum sentido.

Na postagem sobre A Industria do Medo, publicada em 11 de janeiro de 2010 neste blog, comentei sobre as supostas regras para assustar utilizada nos roteiros dos filmes de suspense e/ou terror. É padrão seduzir o espectador para um susto num terço da fita, outro susto num segundo terço e pisar no acelerador dos sustos no último quarto de tempo do filme, criando então um final chocante e revelador. Para dar um bom susto é preciso criar um ambiente prévio de aparente tranquilidade, relaxando o espectador antes de fazê-lo finalmente pular da cadeira. Cruel. Mas a verdade é que, quanto mais tranquila for a cena que leva ao susto, ou que lhe serve de gancho, maior será o pulo da cadeira. E os diretores fazem questão de levar isso a sério porque o espectador adora pular da cadeira em filmes de suspense e terror - eu, ao contrário, já tenho o hábito de ficar colado nela. Nesse aspecto, as duas edições de Atividade Paranormal mostraram algo inovador: deixaram todos os sustos para os últimos 30 minutos de filme, ou seja, o seu último quarto.


Podemos dizer que, quando um filme não está embasado na verdade, ou melhor, quando ele não foi feito com base em pesquisa séria, inevitavelmente, veremos uma fantasia. Há um pouco de ficção na realidade, mas não de fantasia. Ou seja, criamos coisas que passam a ser verdades. Mas não podemos criar o que não é possível. Nesse aspecto, Atividade Paranormal não parece interessado em verossimilhanças para tratar de assunto sério, mas de simplesmente entreter através do medo. As crenças ficam claras na estória. Tanto a jovem adolescente, que busca na internet maiores informações sobre "demônios," quanto a empregada, provavelmente mexicana, parapsíquica, que traz soluções mágicas para afastar espírito ruim, procuram soluções em suas crenças.


Ambos as estórias são improváveis sob vários aspectos, mais notadamente no fenomenológico e contextual, e ambas as produções pecam no roteiro e acabamento de imagem, muito embora este último probleminha seja o grande diferencial do diretor envolvido no chamado filme verdade. Paradoxalmente, o perigo da incoerência em Atividade Paranoral 2 é a perda de contato com a realidade e a consequente omissão didática do fenômeno em si, pois ele existe de uma maneira não mostrada no filme. Por essa razão, decidi escrever sobre o filme.


O filme deixa algumas perguntas no ar. Se você instalasse um sistema de câmeras de segurança em sua casa, por conta de um suposto arrombamento ocorrido na sua ausência, você se recusaria a ver as imagens gravadas nessas câmeras quando houvesse um caso "estranho" na sua residência? Se três pessoas que vivem com você afirmassem que algo "estranho" está acontecendo na sua casa, qualquer coisa bem fora do normal, a sua reação seria a de simplesmente ignorar os fatos? Ainda, no clímax de uma situação de grande perigo dentro da sua casa, você pegaria primeiro a lanterna e esqueceria o seu filho no berço? Se a sua cunhada já tivesse passado pela mesma série calamitosa de fenômenos paranormais, você acharia normal se ela simplesmente desprezasse o seu problema? E por fim, depois de ver a sua casa literalmente sacudida por fenômenos paranormais e sua família devastada pelos traumas dos assombrosos eventos, você continuaria morando na mesma residência como se nada tivesse acontecido? Se você respondeu “sim” para qualquer uma das questões acima, o seu bom senso e discernimento estão em níveis críticos.


Uma possível justificativa para as inverossimilhanças do enredo reside no fato de que, nos Estados Unidos, entende-se por espírito a alma penada de um dessomado errante, uma consciência patológica ainda presa à matéria, mas não violenta e cruel, enquanto por "demônio" entende-se os espíritos que, em sua essência vil, espalham o mal, infernizam os vivos e lhes cobram promessas impagáveis e reclamam pactos eternos. Segundo a crença popular, esses "demônios" têm uma força descomunal e um domínio da matéria muito maior do que a de muitos vivos. São sorrateiros, ardilosos, vingativos e agem muitas vezes escondidos em brumas e sombras, com cheiro fétido e baixando a temperatura a níveis glaciais, quando não materializados em gente conhecida de suas vítimas a fim de as seduzirem com facilidade e manterem-se no anonimato. Há uma vasta literatura sobre "demônios" na internet. Em Atividade Paranormal 2 é um deles que toca o terror (ou será que havia mais de um? Não se sabe). Porém, vale à pena lembrar que esse poder demoníaco tem sido explorado à exaustão nos filmes de terror de uma maneira unicamente interessada em assustar, sem qualquer embasamento de pesquisa séria, dando a falsa impressão de um mal irremediável, o que pode gerar um engano danoso para espectadores menos avisados, porém afoitos o suficiente para encarar o perigo da ignorância multidimensional.


Ora, a paragenética ainda não revelou um padrão comprovável de energias extrafísicas capaz de suplantar em força a propriedade anímica das energias vitais (intrafísicas). O corpo físico é uma fonte de energia singular, potencializada por carne, órgãos, ossos e músculos, própria do ambiente físico e fortificada também pelas energias imanentes, provenientes da terra, do fogo, da madeira, da água e do ar, de pedras, plantas e animais, como de outros elementos inerentes do mundo material. A lógica universal não confirma a idéia de que uma consciência que não mais possui o corpo físico, isto é, energia anímica, seja capaz de utilizar padrões de energias intrafísicas com a mesma potencialidade de um ser vivo, senão por meio justamente deste ser humano vivo. Ou seja, nos doamos energia para que um espírito se manifeste materialmente (ectoplasmia). Se por um lado, o filme deixa a impressão de que “demônios” (equivocadamente) devem ser temidos por sua força própria, por outro, ele fornece uma justificativa (intencional ou não?) para o uso dessa habilidade e força em tais criaturas, uma vez que há na casa um adolescente e uma criança. Num ambiente propenso a poltergeists, normalmente, há jovens adolescentes ou crianças pequenas doando energias para esses eventos. Isso porque, em fase mais tenra, as energias são bem mais potencializadas e menos controladas, de modo que espíritos técnicos nessa modalidade sabem muito bem como usá-las. Mas poltergeits não acontecem por acaso, não são aleatórios e não se justificam apenas no histórico energético do ambente. É preciso haver uma freqüência de energia humana compatível, uma razão pela qual tais espíritos se comuniquem, isto é, uma entropia energética trilateral (espírito-humano-ambiente). A sinergia entre esses três componentes desencadeiam o poltergeist. O ambiente serve de repositório para as consciências efermas, mas os seres vivos fornecem o combustível para as suas ações. Sendo assim, a possibilidade para que eventos como esses mostrados no filme aconteçam não depende apenas do assediador (aqui, "demônio"), mas igualmente do fornecedor das energias motrizes e do próprio ambiente em que ele vive ou se encontra temporariamente.

Particularmente, por alguma razão provavelmente autosabotadora, penso que Atividade Paranormal 2 é melhor do que o seu predecessor, porque há mais momentos em que podemos acreditar que aquilo é possível, mas não deixa de ser um filme repleto de lacunas de coerência, feito para dar sustos e promover medo. Enfim, o diretor deve saber que, quem gosta de ir ao cinema com o propósito de tomar susto e sentir medo, não está muito interessado em saber se a estória faz sentido.



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