Bem-vindos ao Cinema & Consciência, um novo espaço para a difusão e a discussão do cinema brasileiro e internacional. Vamos falar de filmes ou documentários, discutir ética e estética do cinema, com enfoque nas pessoas, nos temas e nos fatos. Os comentários dos visitantes serão sempre bem-vindos.

Todos os textos neste blog são de autoria de Mário Luna, salvo aqueles em que a fonte for mencionada.
Críticas construtivas e sugestões em geral, envie e-mail para este blogger: cinemaconsciencia@gmail.com

"Não acredite em nada que ler ou ouvir neste blog. Reflita. Tenha as suas próprias opiniões e conclusões"





domingo, 15 de novembro de 2009

A Criação da Loucura

Uma família vive numa mansão no interior da Inglaterra.
O pai é um Lorde falido, que vive pressionado a vender a sua propriedade; a mãe está muito doente e passa os dias numa cama, dependendo de medicamentos e cuidados; o único filho sofre de deficiência mental e, como a mãe, vive a base de fortes medicamentos. O cenário para a trama do diretor Simon Rumley está criado, remontando em parte o seu drama pessoal: Simon perdeu o pai de ataque cardíaco e, pouco depois, a mãe, de cancer. Tendo ele mesmo vivido um pesadelo
familiar, numa época traumática da sua vida, escrever Distúrbio Fatal foi uma válvula de escape para seus fantasmas interiores. Originalmente, o filme fora idealizado para ser uma história surreal, pesadelíaca, além da imaginação. Mas Simon chegou ao produto final conservando os ingredientes originais para inserí-los numa realidade tangível: o inferno particular de uma família malfadada a doenças e à interprisão, num cenário de puro suspense e terror.

Quando o pai anuncia que fará uma viagem, o filho deficiente mental se vê na posição de "o homem da casa" para cuidar ele mesmo da mãe doente. Mas o pai rejeita a idéia e contrata uma enfermeira, que, mais tarde, não será aceita pelo adolescente. A impossibilidade de cuidar da mãe lhe trás culpa, rejeição, raiva, frustração e desamparo. Tentando ajudar a mãe, tudo que ele quer provar é que pode ser "o homem da casa" na ausência do pai, deixá-lo orgulhoso, ganhar definitivamente a sua confiança e ainda mostrar que sua doença não o torna um inválido, uma vez que, como tal, ele é tratado pela família. Quando enfim se vê sozinho na mansão, ele desdobra-se de atenção para cuidar da mãe acamada, mas, tendo ele abandonado seus próprios remédios, o seu estado clínico agrava-se cada vez mais, transformando a mansão em um cenário de puro terror e suspense.

O cenário narrativo mostra Distúrbio Fatal em duas partes distintas: na primeira, mais real e cotidiana, acompanhamos a agonia do filho adolescente e o calvário de sua mãe, dependente dos seus cuidados, depois que ele trancou todas as portas da mansão para que a enfermeira contratada pelo pai não pudesse entrar. Na segunda, alucinações, associações mentais patológicas, delírios, sonhos etc. se misturam para mostrar o universo da loucura por dentro, quando o adolescente entra em parafuso crônico. Os detalhes da história pessoal do doente mental são aqui mostrados, numa sequência repleta de referências psicanalíticas, necessárias para o desemaranhamento narrativo e o entendimento da história.

O que incomoda em Distúrbio Fatal é que tudo, por mais alucinógeno que possa ser para os olhos, é real. Na loucura não há fantasias. Tudo deve ser levado a sério. O filme sugere uma irrealidade que, no fundo, apenas reforça sua veracidade. Isso gera uma discussão ainda mais intensa: a relação da família com o seu doente mental. Quando o pai do adolescente não permite que ele atenda a porta da mansão, pois ele assustaria as pessoas, vemos que esses pacientes vivem numa espécie de encarceramento domiciliar. Ilda Witiuk e Rosangela Castro, em seu artigo, "Família do Portador de Transtorno Mental: Vítima ou Vilã ?," falam da difícil relação que se estabelece entre doente mental e família. Entre os resultados da pesquisa realizada pelas autoras destaquei alguns fatos importantes para o entendimento da condição em que o personagem central de Distúrbio Fatal se encontra.

(...) A efetivação do processo de desospitalização com o incentivo do Estado, a não criação de estruturas de apoio para o propcesso de desinstitucionalização do portador de transtorno mental, gerou desamparo aos doentes. A redução da responsabilidade do Estado tem acometido as famílias com a responsabilidade de provimento de cuidados ao portador de distúrbio mental (...) A família diante desta realidade de desamparo se desespera, pois a presença do doente em casa impõe exigências de cuidado e atenção emocional e material que lhes são inexistentes (...) A sociedade baseia-se no princípio de igualdade, mas é totalmente desigual. A família (...) tem passado por um acelerado procesos de empobrecimento. Este fenômeno tem cada vez mais vitimizado as famílias que não tem suas necessidades básicas atendidas, pois se veem desassistidas, com isso fragilizando os vínculos familiares cada vez mais (...) (A família de um doente mental) (...) fica fragilizada, suas relações internas e externas ficam totalmente comprometidas (...) A luta dos portadores de transtorno mental e seus familiares deve ser principalmente para que o doente mental tenha direito a ter direitos (...).

E, por último, as autoras sugerem (...), é de suma importância eliminarmos o preconceito e buscarmos a garantia dos direitos dos portadores de transtorno mental e sua inclusão nas políticas públicas de uma maneira mais efetiva (...) Ou seja, menos preconceito e mais ação e assistência. Uma última palavra fica para o excelente casting, com um trio de atores cujas atuações soberbas seguramente jamais cairão no esquecimento. Wow! Bravo !

Nenhum comentário:

Postar um comentário