
Mas quando encontramos um amigo verdadeiro descobrimos que todo o mistério em fazer amigos de verdade está unicamente dentro de nós mesmos, e vemos que isso passa por nossa capacidade de reconhecer os verdadeiros amigos entre os falsos. Mas, claro, isso não é tão simples e possível sem uma boa dose de decepção, uma vez que esse reconhecimento requer discernimento, bom senso e sensibilidade. Uma amizade exige entendimento do outro, respeito e confiança, o que também é a tri-qualificação base para relacionamentos conjugais duradouros, pois quando tudo ligado ao sexo oposto termina, ou estanca por um tempo, ainda resta a amizade! O tema do filme de Leconte fala sobre a arte de se fazer amigos, mas sem receitas ! (e ele nem poderia oferecer isso). A obra está longe de servir como filme de auto-ajuda. É uma comédia desopilante e sincera, sem clichés e final previsível, e lida com algo muito comum a muitos hoje em dia, consumidos que estamos por dias tão ocupados pelo trabalho que a lucidez não escapa do concreto. O problema da falta de lucidez para enxergar o essencial é que continuamos a achar que o concreto é o essencial, e só sabemos que estamos equivocados quando o essencial ficou para trás. Quando a oportunidade de enriquecimento interior, através de uma boa e sincera amizade, passa bem à nossa frente sem que possamos vê-la, perdemos uma chance em mil de evoluirmos mais rápido, uma chance perdida que nos afastará do que, de fato, importa: as interrelações sadias.
Mas de que maneira poderíamos definir o que é ser "amigo de verdade" ? Ou o que significa simplesmente "ser amigo" ? Essas perguntas envolvem mais do que

No filme de Patrice Leconte vemos alguém que não consegue tirar os olhos do próprio umbigo, desviar a atenção das próprias necessidades, fugir do automatismo da vida diária, das atribulações do trabalho e muito lhe custa explorar as oportunidades de ser feliz, na companhia de amigos. François Coste (Daniel Auteuil) é um comerciante de antiguidades, que se dedica intensamente ao trabalho. No dia do seu aniversário sua sócia, Catherine (Julie Gayet) lhe diz que ele não possui amigos, com o que os demais presentes à mesa concordam. François nega e diz que tem vários amigos. Puro blefe. A discussão sobre os amigos de François gera uma aposta entre ele e a sócia: ele teria que apresentar num prazo de dez dias um "verdad

François não se dá conta do quanto ele é workaholic, individualista, egoísta, arrogante, quase um autista, enfim, um grande mala para muita gente, que mal o suportando no ambiente de trabalho, imagine se o teriam como amigo! Seu universo é tão restrito à sua própria realidade tangível que ele mal sabe da realidade dos mais próximos, como a namorada, a parceira de trabalho, clientes etc. Contudo, motivado pela aposta com a sócia, François está disposto a causar uma reviravolta na sua vida a fim de conseguir o "melhor amigo." Essa onda de mudança ganha o contorno de uma bela reciclagem existencial. É interessante ver, por exemplo, como as coisas à sua volta conspiram para que ele encontre o amigo. Tudo parecer ajudar François nessa difícil tarefa.
O trabalho de Daniel Auteuil está mais uma vez impagável. Ele faz o cara mais adoravelmente chato do mundo! porque dá gosto ver um ótimo ator atuar, e também porque é quase impossível não nos unirmos à sua causa, por mais calculista que ele pareça no desenvolvimento das suas ações pró-amigo. Quando ele começa a buscar esse "melhor amigo" o filme passa mais rápido, o roteiro ganha asas, não por adotar uma nova técnica, mas pelo belo trabalho dos atores, todos muito bons, no ritmo (rápido) francês de fazer cinema. É interessante ver o despespero de alguém tentando fazer amizades intensas rapidamente, porque você acaba encontrando alguma relação com toda aquela patologia.
Sua chance de vencer a disputa surge juntamente com o motorista de táxi que o leva para todos os lados e que faz amigos com uma facilidade incrível. Bruno (Dany Boon) é naturalmente muito simpático. Ele ensina François a fazer amigos, apesar do aluno ser tão carente de qualidades para isso. A química entre os dois logo ganha as formas daquelas que os amigos compartilham e isso é um sinal acalentador. Inicialmente Bruno é apenas um professor, mas François percebe que ele é quem deve ser o seu "melhor amigo." Nesse ponto o filme ganha um tom mais sério e dramático e recebe um final mais ou menos apoteótico e rocambolesco, mas sem perder o brilho nem virar lugar-comum. Ao final, Leconte consegue causar a boa impressão por ter feito uma obra sobretudo humana, ou terá sido uma comédia humana ? Bem, qualquer uma das hipoteses é verdadeira.
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