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quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Navegar é Preciso, Viver e Representar Não é Preciso

O décimo longa-metragem de Eduardo Coutinho, um dos maiores, documentaristas brasileiros, além de levantar a discussão sobre velhos temas das sessões de terapia, como representação e realidade, as máscaras da personalidade e os disfarces da auto-imagem, nos deixa um questionamento incômodo: quando estamos apenas representando ?

Antes de falar sobre Jogo de Cena, seu novo filme, gostaria de falar sobre Eduardo Coutinho, porque sou um dos seus admiradores. Por força de trabalhos como Edifício Master, Peões, O Princpípio e o Fim e Santo Forte aprendi a gostar deste cineasta que tem também o clássico da década de 70 Cabra Marcado para Morrer no seu curriculum vitae. Depois de um começo de carreira entre a ficção e o documentário, Coutinho opta pela segunda linha de criação, comprometido com um acerto de contas com a História. Recentemente, realizou cinco filmes em seis anos! - Santo Forte (1999), Babilônia 2000 (2000), Edifício Master (2002), Peões (2004) e O Fim e O Princípio (2005). A sensibilidade de Coutinho para ouvir pessoas comuns é uma aula para alguém com planos de ser documentarista como eu. Coutinho utiliza essa ferramenta como poucos e o faz como que buscando sempre novos limites e sólidas técnicas, como a que usou nesse último trabalho, Jogo de Cena. Fruto de uma laboriosa reflexão, em Jogo de Cena Coutinho não apenas nos mostra que a representação é uma característica indissociável da nossa natureza humana, como também que somos todos bons artistas da realidade.

Com um anúncio de jornal, o diretor convida mulheres a darem depoimentos contando suas histórias de vida. Ao final, 83 mulheres atenderam ao anúncio. Depois, apenas 23 foram selecionadas e filmadas no Teatro Glauce Rocha, no Rio de Janeiro. Três meses depois, algumas atrizes receberam o texto e o DVD das entrevistadas escolhidas para interpretar, a seu modo, as histórias contadas. No produto final, então, Coutinho coloca os dois depoimentos, tanto o real como o interpretado, e deixa para o espectador descobrir de quem é, de fato, a história que está sendo contada, criando assim um jogo de cena onde não sabemos onde começa a interpretação e termina a realidade. O diretor acaba criando um longa que trata de inúmeros assuntos, como preconceitos, relacionamentos mal sucedidos, perdas, exclusão social e gravidez na adolescência, além, claro, das difíceis relações familiares. Muitos depoimentos têm a função de confundir o público, até mesmo as atrizes famosas contam suas histórias reais e as menos famosas se misturam entre as anônimas, de maneira que nunca temos certeza quem ali eram as atrizes e quem eram as entrevistadas. O interessante é ver, por exemplo, como estas acabam mexendo com as atrizes (as famosas sobretudo!) de forma que elas nunca conseguem ser indiferentes ao texto. No time das atrizes famosas temos 3 nomes de peso: Andréa Beltrão, Marília Pêra e Fernanda Torres, que surpreende com um dos melhores momentos do filme. Insatisfeita com sua performance na interpretação de uma das entrevistadas e inconformada por não atingir o nível ideal de representação, Fernanda se desmonta diante de Coutinho. "Incrível," ela repete várias vezes quase como que num transe artístico, pois ela mesma não acredita naquele obstáculo, e diz uma frase muito boa, "na ficção, é mais fácil construir uma personagem e se sair bem porque o nível de exigência no medíocre é satisfatório. Mas quando essa personagem é real, você tem sempre um exemplo a seguir, e ele está ali, esfregando na tua cara o nível em que você deveria estar." Andréa Beltrão também tem uma participação marcante, quando ela chora quando não esperava chorar e diz ao Coutinho que foi surpreendida pela força do texto.

As possibilidades de interpetação oferecidas por Coutinho são muitas e o documentário está mais interessado em levantar questões do que em respondê-las. A variedade de tipos que desflam diante da camera mostra uma diversidade de assuntos tratados de maneira direta e sincera, mas o ponto mais marcante do filme fica mesmo por conta da reflexão sobre a representação. Quantas vezes estamos representando nas situações do dia-a-dia, com personagnes do nosso imaginário pessoal,
ou através dos nossos sistemas de crenças, que cultivamos por inúmeras razões ? Todas as nossas representações dizem um pouco sobre nós mesmos, mas nos afastam da realidade e de tudo que ainda precisamos melhorar como pessoas. Desenvolve-se de uma necessidade de fuga da realidade para imergir num mundo idealizado. Mas toda essa criatividade de ser outra pessoa cansa com o tempo, sobretudo quando o reconhecimento não vem, e nem os benefícios. A representação é uma espécie de doação sem limites nem vantagens, e flui na via do auto-engano. A crença numa realidade alheia à nossa é uma patologia delicada e de difícil acesso para quem quer ajudar numa tomada de consciência.

Quando o filme termina, me coloquei no papel de uma das atrizes, tentando representar a vida de outras pessoas. Me perguntei quantas vezes tentei representar alguém que não sou. Essa reflexão foi inevitável. Assumimos geralmente posturas que condizem muitas vezes com o que fazemos, mas não conseguimos ser nós mesmos nessas funções e, então, representamos alguém que não somos, até que esse papel se torna insuportável e nos leva à frustração, à depressão e à falência como pessoa. Qual é o seu valor na verdade ? Quanto custa ser quem não somos ? Pode custa uma vida inteira.




















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