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domingo, 8 de fevereiro de 2009

História da Vida Privada Brasileira: 1967

Pouco se conhece do Arnaldo Jabor por detrás das camêras de ontem e seu legado no cinema é bem mais interessante do que lembrar dos seus textos-denúncia dos jornais globais de hoje.

No documentário A Opinião Pública, realizado em 1967, Arnaldo assina seu nome entre os grandes documentaristas do Cinema Novo, inaugurando no Brasil o estilo cinema-verdade, na intenção de filmar o destino da classe média brasileira após o golpe militar de 1964 - uma classe que é de fato a detentora da verdadeira opinião pública nacional.

O filme é uma deliciosa viagem no tempo, ao melhor estilo História da Vida Privada Brasileira. A camera passeia por um quadro de realidades que formam a sociedade como um todo. Rapazes, mulheres, homens e crianças emergem num cenário autêntico de desesperanças e reconstruções, de sonhos e superações, numa readaptação social pacifista que todo bom brasileiro conhece. Nada parece nos destituir de sonhos, nem mesmo a repressão e a violência de uma sociedade que mudava pra pior. "Eu percebi que, no Brasil, a existência da classe média era crucial," diria Jabor. "Então resolvi fazer um filme sobre a classe média, porque só falavam dos pobres e dos ricos."

Jabor conseguiu fazer um filme com som direto, uma tecnologia rara para os padrões da época, e literalmente se enfiou na casa das pessoas, entrevistando toda sorte de seres humanos e colhendo um material para lá de interessante, divertido, reflexivo e hoje nostálgico. Seu filme parece um par de olhos perscrutadores, que tudo querem observar atentamente, estudar, pesquisar e, por fim, entender. "Fui para as ruas pesquisar o homem comum, o óbvio, aquilo que não parecia ser assunto de cinema, porque sabia que o que eu queria mostrar estava por detrás do óbvio."
O sucesso de A Opinião Pública foi imediato. O projeto acabou por se tornar um longa metragem que passou em 11 cinemas cariocas, ganhou vários prêmios internacionais e conquistou platéias por ser um filme que justamente mostrava pela primeira vez as platéias refletidas na tela do cinema, a vida cotidiana de uma classe esmagada que, ingenuamente, havia criado seu próprio monstro: uma revolução contra ela mesma, resultado de um misto de infantilidade, reacionarismo e falta de informação política. Um comportamento, diga-se aqui, que, considerando as devidas proporções de épocas distintas, não está muito longe daquele que vemos hoje.

Enquanto o engajamento estudantil ensaiava seus primeiros passos revolucionários, movido por esperanças e sonhos, milhares deixavam o país para o exílio no exterior. A censura calava as artes e a literatura e soltava a voz dos militares que haviam tomado o poder e a de seus seguidores. O comunismo ganhava contornos de obra demoníaca e os esquerdistas se tornaram párias a serem exterminados da noite para o dia. A sociedade fervilhava de maneira unilateral, politicamente falando, pois, enquanto uma das metades ia para as ruas protestar e levar pau da polícia, a outra metade parecia se alienar. Poucos sabiam o que era repressão política e que fim haviam dado ao João Goulart. Em meio à essa cegueira política e completa falta de lucidez, o povo seguia o curso natural de uma vida sem direção, caminhando contra o vento, sem lenço sem documento. E Jabor queria justamente entender por que o povo não reagiu ao golpe. Em que zona de conforto ele vivia para justificar tal passividade e leniência. Na verdade, todos os cineatas do Cinema-Novo pareciam caminhar na mesma direção investigativa, sem lenço mas com todos os documentos.

Diante das lentes de Jabor em A Opinião Pública desfilam jovens de turminhas de rua, velhos aposentados, mulheres afetivamente desenganadas, adolescentes apaixonadas, funcionários públicos injustamente assalariados, ex-militares sonhadores, crianças fazendo macaquices, fanáticos religiosos, estudantes frustrados, e mais outras representações pitorescas da nossa classe média em 1967.

O filme tem um roteiro bem urdido, mantém a nossa atenção, principalmente se estabelecemos alguma espécie de ligação com toda aquela alienação, na boa vida que ainda construímos para superar as mazelas do dia-a-dia, como a remanescente cegueira às diferenças de classes, à violência urbana e sua conseqüente insegurança, ao preconceito, à corrupção, à injustiça social e por aí vai, numa revisão rápida de uma sociedade que parece não ter saído de 1967 , quando ser calada não parecia ser tão ruim assim. Afinal, poderíamos falar de outras maneiras. Aqui também reside o tom irônico do título, segundo Jabor. "A Opinião Pública de uma classe que, na verdade, não tinha opinião."

A cena que de forma figurativa melhor retrata essa postura alienada do povo é a que aparece um ex-militar dando um depoimento sério e conservador, enquanto seu neto dança e faz macaquices ao fundo. Uma imagem bastante elucidativa. A lente de Jabor mostra o inesperado nas cenas da vida privada brasileira, causando surpresas, choques, alegrias e decepções.



Um comentário:

  1. Mario,
    Gostei muito, visitei e ainda não deu para ler tudo but congrats.All the best
    Fatima

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