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quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Inocência Fatal

Título: O Menino do Pijama Listrado; Título Original: The Boy in the Striped Pajamas; Ano: 2008; País: Inglaterra/EUA; Duração: 95 min.; Gênero: Drama.

A família de um oficial nazista muda-se para o campo durante a Segunda Guerra Mundial. Bruno, o filho do casal, é um menino de 8 anos e solitário, não tem com quem brincar. A falta do que fazer é motivo suficiente para qualquer menino começar a pensar em explorações e novas descobertas e com Bruno não foi diferente. A casa, cravada no campo, tinha inúmeros lugares que deviam ser evitados por Bruno. A chamada "fazenda," que o menino avistou do seu quarto, era um deles. Mas toda advertência dos pais tornava-se um desafio maior para sua exploração eminente e ele acaba por descobrir uma passagem pelos fundos da casa que o levaria à floresta. Nas suas andanças, ele encontra Schmuel, um menino vestido com um pijama listrado, num terreno cercado por arames farpados, e, apesar de viverem realidades diametralmente opostas, entre os dois nasce uma grande amizade que mais tarde se tornará a chave de todo o drama de O Menino do Pijama Listrado, um filme que traz um olhar inédito para o Holocausto.

Mark Hermam, o diretor, foi completista na sua intenção de comover, chocar, aturdir, enfim, sensiblizar o espectador para mais um lado aterrador da guerra, agora na ótica de uma criança, ou melhor duas, com uma história que surpreende por mais que o final seja precognizado no decorrer da própria história. Diria que é um desses filmes onde, apesar de sabermos o que vai acontecer, mesmo assim, quando o fato enfim acontece, não evitamos o choque e a tensão. Isso é sinal de um roteiro sincero, sem firulas, forte por si só e que é bem sucedido justamente por ser cru, honesto, sem romantismos e infantilismos piegas. A guerra foi isso e, claro, muito mais. Tenho lido algumas críticas onde reclama-se da falta de maior conteúdo histórico sobre o Holocausto, de um roteiro mais verdadeiro quanto aos horrores da guerra. É bom dizer que, aqui, esta não é/foi a intenção. Do livro homônimo do irlândes John Boyne, O Menino do Pijama Listrado, fala de tudo ou de muito que o espectador adulto provavelmente já saiba ou tenha visto sobre a Segunda Guerra, mas não pelo ponto de vista utilizado nesta estória - o olhar de um menino de 8 anos. E como já mencionei acima, vamos lentamente seguindo o fluxo do roteiro, e mesmo sabendo tudo o que ocorre além do que o menino pode entender e adivinhando o final, não evitamos o choque quando a câmera escurece e os créditos começam a passar na tela. Vi muitos saindo do cinema sem dizer uma palavra com o colega, andando pensativos e cabisbaixos, entreolhando-se meio perdidos em sentimentos e confusos em pensamentos, aturdidos com o que acabaram de ver.

O Menino do Pijama Listrado mostra uma criança curiosa para saber o que as pessoas fazem numa fazenda próxima da sua casa, por que elas usam apenas pijamas listrados, o que queimam por lá para surgir no ar uma rotineira fumaça preta e por que a sua casa é invadida de vez em quando por um mal cheiro inconveniente, além de instigar a sua imaginação o fato daqueles vestidos em pijamas serem tão mal tratados pelos de sua raça. Todos esses fatos são pouco a pouco investigados pela criança. Mas a guerra alemã era então um mistério para a grande maioria do povo alemão comum, que acreditava que o governo tratava seus prisioneiros de guerra como hóspedes de colônias de férias. E é justamente um filme realizado pela propaganda nazista sobre os campos de concentração, apresentado ao seu pai em sua casa, que sela o destino do filho do oficial nazista. Encantado pela "qualidade de vida" dos presos de guerra, que os alemãs mostravam no filme, o menino, claro, decide usufruir desta "maravilha" com a ajuda do seu amigo que vive do outro lado da cerca de arames farpados.

A linguagem da inocência convence, assim como também é convincente o estupefamento da mulher do oficial, ao descobrir o que os alemães faziam nos campos de concentração, e acaba por culpar o marido por tais atrocidades, chama-o de monstro e pede o divórcio. Isso também é história. A maioria do povo alemão via de suas casas um governo patriótico e racional, que defendia os interesses da nação com lealdade e honestidade, que tratava a todos com a devida humanidade e defendia apenas a justiça ao tentar liquidar os judeus do solo alemão, pois, afinal de contas, para os nazistas, eles estavam tomando as suas terras, seus empregos e assaltando o futuro da nação. E foi assim que o chanceler cujo nome todos já sabem recrutou jovens, velhos e crianças e formou a base do nazismo. Diante de tal propaganda de governo, com o poderio alemão na época, bem maior no início da guerra do que o da Inglaterra, a grande força bélica européia, e com uma relativa dose de ignorância ou inocência, ficava difícil não ser um alemão patriótico. Para muitos que tinham acabado de viver um período de experiência democrática, entre 1919 e 1933, com a Repúbica de Weimar, não era fácil acreditar, nem mesmo suspeitar, que a história alemã estivesse sendo refeita sobre estatísticas tão atrozes e criminalmente inacreditáveis.

O filme deixa reverberando o que a falta de diálogo, esclarecimentos, clareza dos fatos, o que escondimentos, pactos e não-ditos são capazes de fazer com o destino de pobres inocentes, sobretudo as crianças. A opção pela ignorância ou a sua manutenção traz conseqüências fatais. Mas também fica reverberando na consciência os sigmas da vida, que surgem para sinalizar tanto novos caminhos quanto antigos erros, recorrentes demais para continuarem sendo cometidos. Trazendo a estória de Bruno para mim, penso em quantas vezes me deparei com situações em que a experiência me levou a um holocausto pessoal, por força de uma escolha equivocada, cometida por uma propaganda enganosa. Na falta de lucidez para o que está se passando ao meu redor, deixo o essencial passar desapercebido e me apego ao quimérico num círculo de aprendizado que já tenho condições de evitar. Essa é enfim uma mensagem que se pode ter do filme, se colocarmos as nossas experiências pessoais nos roteiros do que assistimos. Propicie aos outros a lucidez que voc quevocê quer para si mesmo.


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