
Em linha geral a sinopse de Buena Vida Delivery descreve o drama de Hérnan como uma sombria comédia humana. Mas apenas no sentido risível dos absurdos da vida é que se pode ver comédia nesse drama bem urdido (leia-se redondo) de Leonardo Di Cesare.
Depois que seu irmão vai para a Espanha, Hermán aluga um dos quartos da casa para Pato, frentista do posto onde ele abastece sua mobilette, e os dois acabam se tornando namorados. Contudo, dias depois, Pato recebe uma ligação da mãe, anunciando a chegada da família para dar início então o grande drama do rapaz.
Uma vez instalada no quarto alugado à sua inquilina/frentista/namorada, a família de Pato vai aos poucos ficando para morar. Ouvindo desculpas de uma mudança em breve, Hernan acompanha a invasão domiciliar apaticamente. Em parte porque lhe parecia difícil acreditar que aquilo estava de fato acontecendo. E também porque isso é o que acontece quando não temos o mando de campo e o controle da nossa própria vida. A situação se torna um pesadelo kafkiano quando o pai resolve montar uma fábrica de churros e ocupa todos os cômodos da casa.
Buena Vida Delivery fala da sempre atual crise econômica na América Latina e suas conseqüências como a falta de dinheiro no bolso da família comum e de perspectivas de trabalho na sociedade. Aqui a crise argentina tem um papel importante na razão dos acontecimentos, mostrando-se numa realidade sombria que ressuscita um passado de glórias. O filme arrebatou vários prêmios internacionais e particularmente me causou um grande impacto psicológico.
Primeiro, porque fiquei pensando, depois que o filme acabou, em quantas fábricas de churros somos obrigados a tolerar na nossa vida quando não temos o mando de campo das nossas próprias ações e vontades, e também dos nossos princípios e valores! Sim, porque assistimos passivamente sermos alvo de algo que repudiamos e mandamos para o espaço quem somos ao permitirmos que os outros controlem as nossas ações e manipulem nossas escolhas. E segundo porque, ainda lucubrando sobre o filme, vasculhei a memória para lembrar dos momentos em que fui Hernan - um espectador apático, leniente e manipulado pela vontade alheia. O impacto veio na resposta em seguida: muitas vezes fui Hernan e tive fábricas de churros dentro da minha própria casa.
Quantas vezes toleramos algo por não sabermos dizer Não ? Quantas vezes concordamos em fazer algo apenas para agradar ao outro ? Quantas vezes deixamos de lado nossos princípios e valores, porque remar contra a maré de uma ocasião exige de nós uma atitude enérgica, que nos causa bocejo só de pensarmos em utilizá-la ? Quantas vezes aceitamos os fatos por ganhos secundários e pactos mórbitos ? Inúmeras eu imagino. E isso é a reflexão que o filme me deixou. Gostei de ter sido colocado à prova dessas análises após a sessão de Buena Vida Delivery, as quais, embora inquietantes, são fudamentais para pensarmos sobre um filme de forma a aprender com ele algo que certamente nos fortalecerá mais tarde como indivíduos em evolução.
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