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segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Religião e Holocausto

A palavra Holocausto vem do grego antigo e quer dizer queimado. Tem origens remotas em sacrifícios e rituais religiosos da Antiguidade, em que plantas e animais (e até mesmo seres humanos) eram oferecidos às divindades, sendo completamente queimados durante o ritual. A partir desse uso, holocausto quer dizer cremação de corpos, não necessariamente de animais. Esse tipo de imolação corpórea post mortem, como se evidencia no Livro do Êxodo. A palavra também é encontrada na bíblia católica. A partir so século XIX, a palavra holocausto passou a designar grandes catástrofes e massacres, até que após a Segunda Guerra Mundial o termo Holocausto, com inicial maiúscula, foi utilizado especificamente para se referir ao extermínio de milhões de pessoas que faziam parte de grupos politicamente indesejados pelo então regime nazista, fundado por Adolf Hitler. Havia judeus, militantes comunistas, homossexuais, ciganos, eslavos, deficientes motores, deficientes mentais, prisioneiros de guerra soviéticos, membros da elite intelectual polaca, russa e de outros países do Leste Europeu, além de activistas políticos, Testemunhas de Jeová, alguns sacerdotes católicos, alguns membros mórmons e sindicalistas, pacientes psiquiátricos e criminosos de delito comum. No caso alemão, o Holocausto consistiu em por em prática um plano de genocídio da população judaica. O tipo de crime marcado pelo ódio racial (http://pt.wikipedia.org/wiki/Holocausto). 


Crimes de ódio não são novidade nos filmes do diretor Michael Haneke, que também dirigiu Violência Gratuita. Em A Fita Branca, que ganhou a Palma de Ouro do Festival de Cannes de 2009 e concorreu ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2010, ele procura a origem do crime de ódio mais filmado e analisado do século 20: o Holocausto. A Fita Branca talvez seja o mais solene dos filmes de Michael Haneke. O trabalho mais clássico de um diretor que não abandona seu tema favorito: a capacidade do homem de ser cruel. Costuma-se crer que Hitler chegou ao poder auxiliado pelo rancor que os alemães sentiam após a devastação do país na Primeira Guerra, mas para Haneke o embrião do mal é anterior e a maneira que o diretor austríaco encontra para dar rosto a esse mal é através da agressividade despojada, num pequeno vilarejo alemão às vésperas da primeira Guerra Mundial. Haneke fez um filme amarrado conscientemente nessa analogia com o Holocausto. A Fita Branca ganhou um acabamento refinado, principalmente no fato de ter sido realizado em preto e branco. A conexão do enredo com o nazismo é notado desde as primeiras cenas, quando um narrador anuncia em off que os eventos naquela pequena comunidade prenunciam o que aconteceria em todo o país anos depois.


Embora o subtítulo do filme, "Uma História para Crianças," não apareça na fitas traduzidas para o português, Haneke faz filmes sérios e para adultos. É como se o diretor tomasse a contra-mão para encontrar o caminho certo para o seu drama. Em A Fita Branca, o foco dramático está justamente num grupo de crianças, causando um impacto maior às consequências dos acontecimentos, inicialmente misteriosos. O filme propõe uma reflexão sobre a educação severa que os adultos impõem sobre as crianças. Castigos e surras como forma de punição para a menor das travessuras são mostradas glacialmente. Ainda nos dias de hoje é uma formação usada e que constitui uma distopia social, o que, segundo Haneke, leva ao fascismo. Ou seja, no autoritarismo com que os pais tratam seus filhos difunde-se entre as crianças um vilipêndio por tudo aquilo que não é "certo". As crianças têm uma visão muito peculiar do mundo e estão em formação intelectual e moral. Com exemplos férteis em violência em suas memórias, as sementes plantadas florescerão rápida e ferozmente em direção à intolerância. Haneke utiliza a violência caseira de forma exemplar para mostrar uma tendência ideológica em torno da educação através do medo, o que, para ele, representa um fascismo embrionário.


O diretor constrói o seu filme, não apenas por meio de uma investigação do que era a Europa pré-Nazista, mas como uma alegoria do que os sistemas patriarcais, os regimes autoritários e o fanatismo religioso podem provocar na formação do indivíduo. Para pais e educadores, o filme causa um impacto fulminante, pois sabemos que a violência na maneira de educar as crianças, através de palmadas, surras e castigos, ainda é uma prática habitual. A essência do filme é mostrada em uma cena em que o pai pastor destrói a educação sexual de seu filho, com um discurso castrador de causar pânico no espectador. O fato é que a punição, embalada como disciplina, está enraizada no vilarejo e a fita branca do título é a maneira com que o pastor local pune seus filhos. Ele força dois deles a usá-la no braço, como sinal de vergonha por pecados cometidos, uma antevisão da futura etiquetação antissemita de judeus nos princípios da Segunda Guerra. É oportuno ressaltar o excelente trabalho de direção com as crianças. Todas elas promovem momentos de uma qualidade cênica raramente vista nos dias de hoje, inclusive os de um miniator de apenas quatro anos de idade cujas cenas são impagáveis. Em A Fita Branca, Haneke exibe seu talento para criar climas e tensões e construir pouco a pouco um thriller de terror psicológico que oferece mais perguntas do que respostas.


O enredo é tratado por meio de mistérios. Na medida em que os crimes vão acontecendo no vilarejo, os culpados permanecem no anonimato. O primeiro deles é impactante: o médico do vilarejo está voltando para casa, montado num cavalo, quando um arame esticado entre cercas derruba o animal. Tempos depois, o filho pequeno do barão local se torna vítima de uma violência brutal. Os crimes têm a forma de castigo e não buscam apenas a identidade do criminoso, mas a razão para tal violência. Entre os habitantes, não há sequer suspeitos. Todos aparecem de cara limpa, com feições sem traços de culpa ou de remorso, e sem traço mesmo de ódio, por mais que esse ódio não pare de surgir ao longo do drama. A questão é simplesmente entender quem é de fato a vítima, já que os culpados não parecem deixar pistas nem rastros. Numa comunidade extremamente religiosa, cujos princípios se baseiam unicamente nos ensinamentos do senhor, como pode haver tanta barbárie ? Aqui também vemos uma analogia com a raiz do nazismo, construído a partir da intolerância da Igreja Católica, que, ainda no início do século XIX, condenava judeus à morte acusados de heresia.


Mostrando o rigor da educação caseira, Haneke denuncia que esta educação é calçada no rigor religioso, exposto através de uma doutrina empurrada goela abaixo. Lamentavelmente, por se tratar de um drama real, A Fita Branca nos apresenta um problema atual. O ensinamento religioso mostra o seu lado manipulador, quando idéias são apresentadas de forma absoluta e sem opção de contestação, impostas a pessoas que não têm possibilidade alguma de se defender e seguem uma ideologia como uma forma de escapar da própria miséria. Não há salvação do lado de fora das igrejas. E este não é um problema do fascismo ou do nazismo, mas da raiz do mal que os gerou.


2 comentários:

  1. Gostei muito da forma como analisou o filme e colocou os pontos principais. Realmente, mostra de que forma a intolerância se desenvolve entre nós.

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  2. Olá, sempre leio este blog e vim aqui para dizer que o indiquei para uma homenagem entre blogueiros. No meu blog tem uma lista com os blogues que indiquei. Se quiser participar, passe lá, pegue seu selo e faça sua lista de preferidos. Parabéns pelo blog! Abraço!

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