
Muitas crianças nasceram no campo e algumas delas trabalham por menos de 1 dólar por dia, como é o caso do protagonista do filme, Jamal. Em Shamshatoo falta dinheiro, educação, saúde e a comida é racionada. A ração diária da população é de 480g de farinha de trigo, 25g de óleo vegetal e 60g de sementes. Cada família recebe uma tenda, uma capa plástica, três cobertores e um fogão. Os gastos com refugiados ficam muito aquém dos 7,9 bilhões de dólares detonados nos bombardeios americanos, que começaram em 7 de outubro de 2001 sob o pretexto de procurar Osama Bin Laden ou derrubar Saddam Hussein - bem, ambos os motivos são válidos. A ONU afirma que não tem verba suficiente. "Nosso orçamento estimado para lidar com o problema dos refugiados nesses primeiros meses é de pelo menos US$ 50 milhões, e temos pouco mais de 30% dessa quantia", afirmara Peter Kessler, 39, porta-voz da organização no Paquistão, no começo do confltio.

No aspecto político, a situação não fica nem um pouco melhor. Em Shamshatoo, a ONU, o Taleban, ONGs missionárias e organizações extremistas islâmicas dividem espaço sob olhares de desconfiança e ódio mesmo. A falta de recursos gera conflitos e preconceitos dos paquistaneses contra os afegãos. Segundo a ONU, há 203 campos de refugiados no país que não têm estrutura para funcionar de maneira humanamente aceitável. Os afegãos são acusados de causar desemprego e há um clima de animosidade generalizada na região. Kessler, que esteve em campos de refugiados em Ruanda, Congo, Kosovo e Bósnia, faz um diagnóstico pessimista. "Este é o pior acampamento em que já trabalhei. Em Ruanda, a miséria era imensa, mas havia solidariedade, os vizinhos tentavam ajudar. Aqui, há ódio."

Nesse cenário de pesadelo, muitos não resistem e morrem. Outras centenas tentam fugir no desespero e encontram a morte um pouco mais além, nas estradas da fronteira, minadas por contrabandistas de gente, policiais corruptos e grupos de combatentes de ambos os lados da guerra, armados até os dentes. Só no último mês, cerca de 60 mil afegãos cruzaram a fronteira paquistanesa, engordando o contingente de mais de 2 milhões que fugiram desde a invasão soviética. Vivendo de subempregos nas grandes cidades, não são poucos os que partem para a mendicância ou para atividades ilícitas, como o contrabando e o tráfico de drogas. A ONU calcula que só o conflito com os EUA produziu um contigente de mais de 1 milhão de fugitivos afegãos.
O número de vítimas de uma guerra é significativamente maior do que aqueles que dão conta dos mortos em combate. Embora possam existir argumentos psicológicos, políticos, históricos e culturais para a deflagração de uma guerra, o que ela representa é, na verdade, uma extorsão humana. Em benefício de uma irrisória minoria criam-se os custos incomensuráveis de uma maioria incólume: a população civil. Aquele que busca a informação apenas nas reportagens dos meios de comunicação, certamente, não sabe que durante os três primeiros meses da guerra americana no Afeganistão, o número de mortos na população civil ultrapassou 3.700 (vítimas). Um número maior do que o de mortos no ataque de 11 de setembro, em Nova Iorque.


O filme retrata a tentativa desesperada de muitos refugiados de buscar uma vida melhor muito longe da guerra e o papel do sonho nessa decisão arriscada, como combustível vital para a dura, incerta e não raramente inútil jornada. No trajeto até Londres não faltam obstáculos, policiais corruptos, contrabandistas de fronteira, aproveitadores e criminosos. Numa viagem imprevisível e quase suicida, os dois partem cheios de esperanças e com uma ingenuidade lamentável na bagagem.
Neste Mundo é um road movie que deixa a paisagem das estradas de pano de fundo para mostrar não só os exageros inevitáveis da vida, para quem vive num universo de condições extremamente precárias, mas sobretudo a intolerância humana e o desprezo das potências políticas com relação ao mundo pobre. O filme ganhou o Urso de Ouro do Festival de Berlim em 2003, assim como outros prêmios europeus importantes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário