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quarta-feira, 8 de julho de 2009

Psicologia no Cinema III

Em Abril Despedaçado vemos a mimese patológica de duas famílias rivais que, no interior do Nordeste, matam seus vizinhos por incontáveis gerações. A história transcorre no Brasil de 1910. No filme, a aridez nordestina, a subserviência e a hierarquia norteiam enredo e personagens. O pai protagonista é extremamente severo e rígido com os filhos, causando-lhes o esquema da "menos-valia," baixa auto-estima e complexo de infeiroridade. Os filhos agem diante do pai com respeito e medo. É possível perceber as reações nos filhos do sentimento de desprezo do pai. Com isso, não resta aos filhos muito mais do que a opção da fuga. Numa das cenas, um dos personagens recebe um livro de presente, para sua surpresa e encantamento. O livro assume uma importância que não podemos calcular. Mas está claro que, sendo uma tábuia de salvação como instrumento de fuga, o livro lhe chega em boa hora. O mundo curel que o cerca torna-se paralelo, através da leitura e das imagens do livro, pois ele nunca foi à escola. O final, antecipando-o sem estragá-lo no entanto, é trágico, mas mostra como o universo humano é complexo, cheio de diferentes personalidades, assim como das implicações dessas consciências na vida dos indivíduos. O filme gera muitas reflexões sobre a identidade e a existência humana, fadada, pelo menos até onde chegamos em termos evolutivos, a perpetuar automimeses desnecessárias, norteadas por padrões de comportamentos patológicos.

A grande razão de viver é evoluir e o insucesso da nossa
empreitada existencial é a estagnação, representada pela
falta de lucidez para o prórpio processo evolutivo. Mas de
que forma esta evolução é percebida ? Seguramente é certo
afirmar que a assistência ao outro é o denominador mais claro da nossa evolução terrestre. O grau de assistência que fazemos determina o quão em caminhos evolutivos estamos, assim como o egoísmo e a falta de assistência no nosso comportamento pode marcar o quão distante estamos do ideal propulsor da evolução. No filme A Corrente do Bem, temos um bom modelo do processo assistencial ideal: pratique o bem sem importar a quem, e sem esperar retornos. Um garoto realiza um projeto inédito para a escola: fazer uma corrente entre as pessoas através da qual elas teriam que praticar um ato de bondade aos outros sem esperar devoluções. Cada pessoa teria que fazer tal ato a três outras pessoas, pedindo para que elas estendessem a corrente indefinidamente. O fime traz discussões importantes sobre as dificuldades do relacionamento familiar, nosso grupocarma mais próximo e prioritário, e o entendimento do pensamento dos jovens. Da mesma forma, levanta a poeira para reflexões sobre conceito de justiça e moral, temas urgentes a serem colocados em prática, pois, na teoria, todos os conhecem muito bem.

Ninguém pode se corrigir antes da autoreflexão e tomada de consciência sobre os erros. Antes disso também ninguém pode ser culpado de nada, pelo simples fato de que, na existência humana, não há julgadores, nem juri, nem juiz - com todo respeito ao purgatório religioso. Mas o fato é que, antes da consciência assumir a sua própria necessidade de mudar, corrigir seu comportamento e enfim evoluir, não haverá quem o faça em seu lugar. Nesse ponto existencial, aparece Robert De Niro em Máfia no Divã. Ele é o chefão da máfia que quebra as regras do "homem não pode chorar" quando sua consciência entra em crise e se desmancha em lágrimas de crocodilo diante do seu terapêuta, Billy Crystal. O filme é uma comédia, mas consegue mostrar bem o momento da reversão existencial de um criminoso, os benefícios e o poder mítico de uma boa terapia, posto que é temida até pela própria máfia, preocupada no que pode se tornar o chefão De Niro depois da alta médica.

O próprio Prof. Henri Laborit explica em Meu Tio da América sua teoria sobre como o ambiente interfere na formação da personalidade dos seres humanos. Mas dessa vez, ao invés de ratos de laboratórios, os objetos de investigação são dois homens e uma mulher, de cidades, origens sociais e familiares diferentes, cujas vidas são acompanhadas desde a infância até a fase adulta. "A única razão de ser de um ser é ...ser. Conservar a sua estrutura."
Com esse impacto verbal, Alan Renais abre o seu filme e mostra de imediato a sua intenção: o aprofundamento do estudo da figura humana. o diretor aborda os mecanismos da memória e o paralelismo de épocas diversas de maneira bastante especial, criativa na forma e no conteúdo, e ainda transbordante de informação e reflexão crítica. As idéias, experiências e conclusões do cientista Henri Laborit, o mesmo que descobriu o funcionamento das sinapses neurôniais, motivam análises mais profundas, como a luta pelo poder, uma luta que não respeita os direitos dos outros e provoca conflitos. Revela a ambição da propriedade sem restrições e sem limites. É um filme que merece ser visto algumas vezes, tal é a riqueza de informação do seu conteúdo que, aos poucos, pode ser digerido sem contra-indicações.


Baseado no best-seller e premiado romance de Irvin Yalom, o filme Quando Nietzsche Chorou conta a história de um encontro fictício entre o filósofo alemão Friedrich Nietzsche e o médico Josef Breuer, professor de Sigmund Freud. Nietzsche é ainda um filósofo desconhecido, pobre e com tendências suicidas - isso é verídico. Breuer passa por uma má fase após ter se envolvido emocionalmente com uma de suas pacientes, Bertha, com quem cria uma obsessão sexual e fica completamente atormentado. Breuer é procurado por Lou Salome, amiga de Nietzsche, com quem teve um relacionamento atribulado. Ela está empenhada em curá-lo de sua depressão e desespero, assim pede ao médico que o trate com sua controversa técnica da “terapia através da fala”. O tratamento vira uma verdadeira aula de psicanalise, onde os dois terão que mergulhar em si próprios, num difícil processo de auto-conhecimento. Eles então descobrem o poder da amizade e do amor. Sobre Psicologia, o filme tem um farto repertório de informação, além de um apanhado geral sobre a personalidade atormentada do renomado filósofo, cuja obra, particularmente, tenho grande admiração e interesse. Recomendável.

O clássico Sociedade dos Poetas Mortos não poderia ficar de fora desta lista, que poderia até ser mais extensa
se incluíssemos filmes em que protagonistas mudam padrões arraigados de comportamento de uma comunidade. No filme em questão, um professor consegue mudar as estruturas rígidas e preconceituosas de uma escola americana na década de 1950. Nele também vemos como a comunidade, aqui de alunos, apresenta uma modificação de comportamento em função das atitudes positivas do professor. O mesmo Robin Williams, diga-se, havia feito algo do gênero em Patch Adams. Nesta obra obrigatória a todo candidato a bom cinéfilo, o ponto mais significativo fica por conta da representação das conseqüências que a usurpação (e distorção) dos valores pessoais causa no indivíduo. Não estarmos alinhados com o nosso melhor nos aniquila como pessoa. Quando essa usurpação de valores não causa danos irreversíveis, como foi o caso do personagem do filme, nos torna marionetes do meio, robôs manipulados para atender uma necessidade de sobrevivência apenas, em detrimento da vocação, fator essencial para a realização pessoal. A reflexão aqui fica por conta do que fazemos por automação, pelos outros, por repetição, sem realização íntima, sem o completismo de uma programação existencial original, legítima e fundamental para a evolução.

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