Bem-vindos ao Cinema & Consciência, um novo espaço para a difusão e a discussão do cinema brasileiro e internacional. Vamos falar de filmes ou documentários, discutir ética e estética do cinema, com enfoque nas pessoas, nos temas e nos fatos. Os comentários dos visitantes serão sempre bem-vindos.

Todos os textos neste blog são de autoria de Mário Luna, salvo aqueles em que a fonte for mencionada.
Críticas construtivas e sugestões em geral, envie e-mail para este blogger: cinemaconsciencia@gmail.com

"Não acredite em nada que ler ou ouvir neste blog. Reflita. Tenha as suas próprias opiniões e conclusões"





domingo, 8 de agosto de 2010

Simplesmente Dorothy

Apesar do título amendrontador em português (no original o filme se chama apenas Dorothy, o que é bem mais racional e coerente com a estória), Os Demônios de Dorothy Mills traz entre muitas surpresas o trabalho arrebatador da atriz Jenn Murray no papel-título.

O parapsiquismo é uma faculdade natural do ser humano, uma vez que vivemos multidimensionalmente. Para aquele que experimenta qualquer fenômeno paranormal, o parapsiquismo não é o mistério, mas um excelente recurso para desvendá-lo. Tampouco cabe mais ser enquadrado em teorias e nem encontra-se no limbo dos ceticismos. Contudo, além da vivência parapsíquica não ser tão comum quanto sair com os amigos, devido ao restringimento físico, ela se aniquila como consequência de crenças arraigadas, cientificismos materialistas e uma grande variedade de posturas existencialistas que não conseguem enxergar além da realidade física. É justamente nesse ponto que Os Demônios de Dorothy Mills encontra o seu plot.

Apesar de toda campanha propagandista em torno do filme, seu drama passa longe daquele visto em O Exorcista e tampouco pode ser considerado terrivelmente assustador. É apenas um filme coerente sobre paranormalidade e consequentemente bom para ser indicado, o que, para mim, já vale a sugestão. Mas o interesse da máquina de fazer medo do cinema e seu mercado de divulgação é justamente o contrário, a começar pela escolha do título em português. Lamentável se entendemos a real intenção por trás dessa escolha. Mas nem tão lamentável assim se entendermos o título para justificar o mundo da ignorância em que Dorothy vive "suas exquisitices."

O problema das religiões é vender suas verdades como definitivas e enquadrar a mente humana numa única moldura da realidade, essencialmente física, apesar de vagar no domínio espiritual. O alijamento da verdade relativa de ponta, utilizada pela pesquisa científica, endurece a intolerância e promove o preconceito. Tais consequências servem muitas vezes, entretanto, como dissimuladores da incoerência religiosa. Na medida em que não há o exercício da crítica e do livre arbítrio sobre o que acreditar nem a direção a tomar, muitos sucubem diante dos próprios males não revelados. A Igreja não dá conta do que você sente, mas do que deve ser sentido segundo seus preceitos. Numa pequena comunidade religiosa controlada (ou amendrontada) por um padre, essa mordaça tem efeitos ainda mais drásticos e termina por afundar-se em seus próprios segredos e mistérios.

É esse o cenário da estória de Dorothy, uma adolescente vítima de seu parapsiquismo, que apesar de tido como assustador, para muitos é tanto um atributo de sobrevivência espiritual quanto ameaçador. Quando os efeitos do parapsiquismo destrambelhado da menina atinge os membros da comunidade, com a tentativa de assassinato de uma criança, uma psiquiatra é chamada para examinar Dorothy e facilmente ela é diagnosticada como vítima de distúrbio de múltipla personalidade. Porém, quando a menina fala com a voz do filho recém-falecido da médica, o que inicialmente parecia loucura passa a ser o que os moradores acreditam, isto é, que Dorothy é um canal com o mundo dos mortos.

Um interessante estudo sobre a hipocrisia e os preconceitos que corroem uma sociedade pode ser feito a partir do que nos mostra o filme. Por trás da intolerânia dos moradores, sobrevive um segredo tenebroso revelado no final. Muitos usam Dorothy no aquém para lhes trazer notícias de entes queridos que estão no além, em rituais conduzidos pelo padre na própria igreja do lugar! e a fachada criada pelas crendices vai aos poucos ruindo na medide em que Dorothy começa a revelar a verdade, momento em que, fazendo jus ao título, todos os demônios são libertos. Talvez assim, esse título em português faça algum sentido.

Nenhum comentário:

Postar um comentário