Bem-vindos ao Cinema & Consciência, um novo espaço para a difusão e a discussão do cinema brasileiro e internacional. Vamos falar de filmes ou documentários, discutir ética e estética do cinema, com enfoque nas pessoas, nos temas e nos fatos. Os comentários dos visitantes serão sempre bem-vindos.

Todos os textos neste blog são de autoria de Mário Luna, salvo aqueles em que a fonte for mencionada.
Críticas construtivas e sugestões em geral, envie e-mail para este blogger: cinemaconsciencia@gmail.com

"Não acredite em nada que ler ou ouvir neste blog. Reflita. Tenha as suas próprias opiniões e conclusões"





sexta-feira, 19 de setembro de 2014

DECÁLOGO: EPISÓDIO I - KRZYSZTOF KIESLOWSKI

Quando no século XVIII o Iluminismo tratou de colocar a razão no centro do pensamento a fim de reformar a sociedade em resposta à intolerância da Igreja e do Estado, quebrando o curso da tradição medieval e desencadeando um incontável número de novas tendências de comportamento, a natureza passou a ser o interesse central do conhecimento científico, com o objetivo de torná-la útil ao homem moderno. Desde então, a ciência assumiu o seu papel no estudo do universo e contribuiu para o progresso da humanidade, tentando arduamente superar os resíduos da tirania e da superstição herdados da Idade Média. Moldava-se aí um novo paradigma através do qual o pensamento parecia galopar, finalmente, rumo às verdades relativas de ponta. Apesar do avanço científico para explicar a vida, faltou-lhe bases para encontrar também o seu sentido, um nicho que se arrasta por séculos inabitável, como um desafio moderno solapado pelas forças remanescentes da espiritualidade religiosa e de misticismos cuja a validade de sua simbologia parece atemporal e inquebrantável. Nesta casa sem dono, ainda hoje não habitada pela ciência, o nicho espiritual terminou por se manter em confrontação permanente com o mundo científico, e assim continuou como uma disputa fluente para muitas sociedades. 

Kieslowski coloca no centro do seu primeiro episódio, a questão da fé em um Deus misterioso, governante e onipresente, que lança teorias a serem praticadas pelos crentes no seu poder, discute o sentido da vida e a razão da morte como duas condições intrínsecas ao homem, mas que ele mesmo desconhece como lidar em benefício de si mesmo: na mesma medida em que falta-lhe uma compreensão sensata do mundo em que vive e da realidade em que está inserido, desconhece o seu destino depois da morte. Em suma, ao não saber por que vive nem o que será dele depois da morte, o homem projeta-se num vazio existencial, agarrado, firmemente, à fé e ao autoengano. Isto é, procura no mistério a razão para a própria vida e foge do seu destino ao final dela. Esse assustador panorama humano ganha movimento nas lentes de Kieslowski através da relação entre um pai professor universitário, cientista, e um filho ainda pequeno, mas inteligente e questionador o suficiente para procurar saber tudo sobre a vida e a morte. As respostas, entretanto, revelam que a teoria espiritual incutida pela Igreja falha na prática cotidiana, mergulhando o homem no mesmo vazio existencial de suas certezas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário