Quando no século XVIII
o Iluminismo tratou de colocar a razão no centro do pensamento a fim de
reformar a sociedade em resposta à intolerância da Igreja e do Estado,
quebrando o curso da tradição medieval e desencadeando um incontável número de novas tendências de
comportamento, a natureza passou a ser o interesse central do conhecimento
científico, com o objetivo de torná-la útil ao homem moderno. Desde então, a
ciência assumiu o seu papel no estudo do universo e contribuiu para o progresso
da humanidade, tentando arduamente superar os resíduos da tirania e da
superstição herdados da Idade Média. Moldava-se aí um novo paradigma através do
qual o pensamento parecia galopar, finalmente, rumo às verdades relativas de
ponta. Apesar do avanço científico para explicar a vida, faltou-lhe bases para
encontrar também o seu sentido, um nicho que se arrasta por séculos inabitável,
como um desafio moderno solapado pelas forças remanescentes da espiritualidade
religiosa e de misticismos cuja a validade de sua simbologia parece atemporal e
inquebrantável. Nesta casa sem dono, ainda hoje não habitada pela ciência, o
nicho espiritual terminou por se manter em confrontação permanente com o mundo
científico, e assim continuou como uma disputa fluente para muitas sociedades.
Kieslowski coloca no centro do seu primeiro episódio, a questão da fé em um
Deus misterioso, governante e onipresente, que lança teorias a serem praticadas
pelos crentes no seu poder, discute o sentido da vida e a razão da morte como
duas condições intrínsecas ao homem, mas que ele mesmo desconhece como lidar em
benefício de si mesmo: na mesma medida em que falta-lhe uma compreensão sensata
do mundo em que vive e da realidade em que está inserido, desconhece o seu
destino depois da morte. Em suma, ao não saber por que vive nem o que será dele
depois da morte, o homem projeta-se num vazio existencial, agarrado,
firmemente, à fé e ao autoengano. Isto é, procura no mistério a razão para a
própria vida e foge do seu destino ao final dela. Esse assustador panorama
humano ganha movimento nas lentes de Kieslowski através da relação entre um pai
professor universitário, cientista, e um filho ainda pequeno, mas inteligente e
questionador o suficiente para procurar saber tudo sobre a vida e a morte. As
respostas, entretanto, revelam que a teoria espiritual incutida pela Igreja
falha na prática cotidiana, mergulhando o homem no mesmo vazio existencial de
suas certezas.
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