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domingo, 1 de março de 2009

Holocausto Japonês

Segundo longa-metragem realizado pelo diretor Kaneto Shindo, Filhos de Hiroshima foi filmado em 1952, 7 anos depois da queda da bomba atômica e logo depois da retirada das tropas americanas do Japão. Com um saldo de 140 mil mortos em Hiroshima e 74 mil em Nagasaki no dia da explosão, sem contar, claro, com o número de mortos vítimas das conseqüências radioativas e psicologicas da explosão nos anos seguintes, a bomba atômicae se transformaria numa dor sem fim para a sociedade japonesa até os dias atuais.

Às 8:15 da manhã, o avião Enola Gay largou a bomba nuclear sobre o centro de Hiroshima. Ela explodiu a cerca de 600 metros do solo, com uma potência equivalente a 13 kton de TNT. Assim são planejadas as explosões das bombas nucleares, pois, caso contrário, segundo seus criadores, grande parte de sua potência seria desperdiçada sob o solo. Os danos infraestruturais estimam-se em 90% dos edifícios danificados ou completamente destruídos. O que mais impressiona nas catastrofes de Hiroshima e Nagasaki, no entanto, não chega a ser nem mesmo o ainda que assustador número de mortos, mas a maneira instântanea como essas pessoas comuns se tornaram vítimas fatais. Isto é, da normalidade de um dia comum ao completo holocausto não durou mais do que alguns segundos. Talvez nenhuma outra fração de tempo tenha afetado tão absurdamente, simultaneamente e eternamente o destino e a memória de um povo quanto as bombas atômicas jogadas nos dias 6 e 9 de agosto de 1945 sobre respectivamente Hiroshima e Nagasaki.

Após seis meses de intenso bombardeio em 67 outras cidades japonesas, por ordem do presidente americano Harry Truman a bomba "Little Boy" foi jogada sobre Hiroshima numa segunda-feira e 3 dias depois os americanos lançaram "Fat man" sobre Nagasaki. Historicamente, estes são os únicos ataques onde se utilizaram armas nucleares até hoje. As explosões nucleares, a destruição das duas cidades e as centenas de milhares de mortos em poucos segundos, levaram o Império do Japão à rendição incondicional no dia 15 de agosto de 1945, com a subsequente assinatura oficial do armistício em 2 de setembro na baía de Tóquio e o fim da II Guerra Mundial.

O papel dos bombardeios atômicos na rendição do Japão, assim como seus efeitos e justificações, foram submetidos a muito debate a posteriori. Nos EUA, a opinião que prevaleceu foi a de que as bombas deram fim a um confronto que não teriam de outra forma acabado tão cedo, salvando,a ssim, muitas vidas que seriam perdidas em ambos os lados do combate se a invasão planejada do Japão tivesse enfim ocorrido. No Japão, o povo acredita que os bombardeios foram desnecessários, uma vez que a preparação para a rendição já estava de qualquer forma em progresso em Tóquio. Numa situação de guerra, de qualquer forma, fica difícil prever o que teria causado menor catastrofe, ou sido menos traumático, mas afirmar que as bombas salvaram vidas é um completo despautério. Se considerarmos o número de mortos instântaneos podemos até ver algum sentido na afirmação americana, mas ao incluirmos todos os demais, nos anos e décadas seguintes à guerra, vitimados pela radiação e outras conseqüências das bombas, não há motivos para acreditarmos numa condição atenuante para a consciência americana diante de ambos os holocaustos japoneses.

O modelo de país devastado por uma guerra, que consegue se reerguer dos escombros, serve sempre como lição de superação, reconstrução e reciclagem de vida para muitos outros, não apenas por conta das mudanças atribuídas aos esforços governamentais, mas, sobretudo, devido às lutas pessoais dos sobreviventes. Em Filhos de Hiroshima, Kaneto Shindo mostra tanto a superação pessoal quando grupal e ainda traduz em imagens o horror da explosão da primeira bomba atômica no mundo. Aclamado pela crítica que o considera um dos mais belos filmes já realizados para o cinema, Filhos de Hiroshima causa reflexão com seu registro humanístico sem, no entanto, apelar para o tom acusativo-vitimizador nem explorar a catastrofe. A impressão que tive foi a de que o diretor foi até Hiroshima não só para mostrar ao mundo as conseqüências incomensuráveis de se destruir completamente uma cidade com uma bomba nuclear, mas também para ajudar a população a recolher os próprios escombros.

Filhos de Hiroshima é uma provocativa e instigante obra sobre a natureza humana, sobre a bomba atômica e sobre seu legado. Um pequena obra-prima,” publicou a Filmref.com. O filme conta a história de uma jovem professora numa viagem à Hiroshima. Mesmo em processo de reconstrução, a cidade já é uma entidade fantasma aos olhos da professora, que topa em seu caminho com um cego sobrevivente do holocausto nuclear. É tocante o olhar que a professora dirige ao céu, um olhar nada lírico, mas amedrontado pela passagem de um ameaçador avião. Filhos de Hiroshima cruza depoimentos reais dos sobreviventes com falas de personagens fictícios, recriando a hora da tragédia (8h15 do dia 6 de agosto de 1945) por meio de um relógio com ponteiros congelados. Em muitos momentos, Takako encara os resquícios da destruição, quatro anos depois de ter perdido familiares naquela ocasião. As cenas funcionam como ferramentas de confrontação com o passado. Takako é professora e foi morar com os tios depois da tragédia. O seu retorno para as paisagens e gente de Hiroshima estrutura o filme.

O holocausto sobrevive e em cada cena ele como uma espécie de maldição inescapável, aparece nas cicatrizes carregadas pelos sobreviventes, como no rosto torrado de um mendigo maltrapilho. Mesmo quando as aparências foram poupadas e sugerem a superação do trauma, o passado retorna no andar torto de uma personagem. Até o céu, que anteriormente Takako havia descrito como “tão grande quanto sempre foi”, também se torna uma visão amendrontadora, enquanto ela ouve o som de um avião passando. Ao retornar para Hiroshima, a professora havia decidido revisitar os seus conhecidos e alunos ainda vivos e se depara com as seqüelas do drama, incluindo a morte.

O estilo narrativo-compassivo de Kaneto Shindô, um diretor nascido em Hiroshima e em cuja carreira figuram nada menos do que 145 filmes escritos e 43 dirigidos, às vezes parece bastante convencional ou previsível. Fica claro em Filhos de Hiroshima sua vontade escancarada de nos sensibilizar com os horrores causados pelas bombas. Há no filme momentos de tristeza delicada, como a separação demorada de dois personagens em uma ponte, um jantar que despede um avô de seu neto, e a solidão de uma mulher e seu afeto nunca declarado por um homem falecido. Filhos de Hiroshima é um filme mui sensível com uma bagagem histórica muito significativa, e ainda nos ensina a nos reerguer diante dos fracassos, até mesmo quando tudo à nossa volta parece reduzido a escombros.

Título original: Gembaku no ko; Título em português: Filhos de Hiroshima; Diretor: Kaneto Shindô; Gênero: drama; País: Japão; Ano de produção: 1952; Duração: 97 min.

NOTA CURIOSA: NENHUM CLIP SOBRE HIROSHIMA PÔDE SER INCLUSO NESTA MATÉRIA, NEM MESMO O TRAILER DO FILME. OUTROS VÍDEOS FORAM TESTADOS E FUNCIONARAM PERFEITAMENTE. CONTUDO, TODOS OS VÍDEOS SOBRE A BOMBA, DE DIFERENTES FONTES, FORAM REJEITADOS, ACUSANDO ERRO DE CARREGAMENTO.


















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