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sexta-feira, 23 de abril de 2010

Sabedoria Condenada

A vida de Hypatia foi marcada por sua paixão pelo conhecimento. Hypatia era a filha de Theon, que foi considerado um dos homens mais cultos de Alexandria, no Egito. Educada num mundo de instrução e academicismo e desde cedo vivendo num ambiente de ideias, Hypatia não somente ficou conhecida como matemática e cientista, mas também como uma grande filósofa. Além disso, desenvolveu grande entusiasmo pela astronomia e astrologia.


Alguns historiadores acreditam que Hypatia nasceu no ano 370. Outros afirmam que era uma mulher mais velha (60 anos) na época de sua morte, assim tendo seu nascimento sido no ano 355. Ela foi sem dúvida a primeira mulher a ter um impacto profundo no pensamento matemático. Hypatia viveu em Alexandria quando o cristianismo começou a dominar as outras religiões e a dizimar aqueles que se opunham às suas idéias.

É aqui que o filme do diretor espanhol Alejandro Amenábar (o mesmo de Os Outros e Mar Adentro) começa. Interessante pontuar que o filme foi proibido na Itália, censurado nos EUA e não tem previsão para chegar no Brasil - apenas disponível por download na internet. Na Espanha, a película teve a maior bilheteria em 2009, ganhando mais de 10,3 milhões dólares em apenas quatro dias de exibição. Até 1 de fevereiro de 2010, Ágora tinha arrecadado cerca de US $ 35 milhões.

O drama histórico espanhol de Amenábar mostra cruamente os conflitos políticos, religiosos e culturais que marcaram o século IV na cidade de Alexandria, famosa por sua biblioteca, tantas vezes destruída e renascida literalmente das cinzas. O filme é um petardo no caráter obscurantista do cristianismo e uma celebração à liberdade do pensamento científico. Tendo escrito também o roteiro, Amenábar desfila sua sensibilidade histórica com maestria. Ele consegue ser profundo e imparcial, mostrando todos os tópicos em questão: filosofia, ciência grega, política romana, o avanço do cristianismo, os judeus ortodoxos e as linhas religiosas mais radicais da época.

Além da ferocidade cristã contra a cultura egípcia, o que mais impressiona em Ágora é saber que foi ela, Hypatia, quem primeiro afirmou em suas aulas na universidade que a Terra girava em torno do sol, que havia uma lei da gravidade, que havia relatividade nos movimentos e a posição dos planetas no sistema solar, poerias que só muitos séculos depois Copérnico, Newton e Einstein voltariam a levantar. Mas Ágora é muito mais do que uma biografia de Hypatia. O filme trata de um capítulo importante da História do Mundo e se torna por isso a biografia de uma cultura que atravessaria os séculos como uma das bases sólidas do pensamento filosófico e científico.

Amenábar coloca a condenação a todo tipo de fanatismo no centro de sua obra, imprimindo sua ideologia em cenas grandiosas e repleta de efeitos visuais, algumas intimistas, outras profundas. O toque sublime de sua abordagem, digamos humanista-universalista, é quando a camera viaja no espaço sobre a Terra e de lá mergulha até a cidade de Alexandria. Isso mostra o quanto somos pequenos diante do cosmo e o quão qualquer disputa se torna insignificante diante de uma perspectiva universalista. Seus diálogos têm igualmente grande impacto filosófico.

Em tais diálogos, a obra evidencia o retrocesso que a seita cristã trouxe para o mundo. Se os egípcios não estavam isentos das tradições cegas, posto que permitiam a escravidão, serviam sacrifícios aos seus deuses e se dividiam em castas, eles tinham uma qualidade inegável: reservavam ao ser humano um papel muito mais intelectual do que aquele que o obscurantismo dos cristãos tinha em mente. Quando o Egito deixou de ser o centro produtor de idéias e ciência do mundo antigo, o cristianismo dominou deixando o novo mundo na escuridão. Não tardou para a seita cristã armar seus alicerces na alma humana, culminando com a chegada da idade média e o terror da Inquisição.

Numa das cenas mais profundas do filme, a protagonista Hypatia confronta um dos seus alumos, quando ele tenta convertê-la ao cristianismo. Ela responde: "se você não questiona a sua fé, então você não acredita realmente nela." Mais tarde, ao ser julgada por seu ateísmo, Hypatia rebateria, "eu acredito na Filosofia." Ou seja, Hypatia já utilizava para si o princípio da descrença. Não acredite em nada, só naquilo que tiver sido experimentado... ou questionado.

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