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terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Apartheid Alienígena

Particularmente não tenho nada contra alienígenas. Muito pelo contrário. Todos os que eu conheci eram superdotados, energeticamente poderosos, educados, assistenciais e queriam sossego para ambos os lados. Vinham em missão de paz e para a melhoria intelectual da raça humana. Não estacionavam naves em campos de trigo, não cegavam militares com luzes incandescentes, não apareciam em Globo Repórter nem em fotos suspeitas como pratos voadores cintilantes, sobrevoando florestas e cidades e assustando populações inteiras de desavisados. Não tinham forma de ácaros humanóides, nem de bactérias disformes. Não expeliam gosmas amarelas, não degulinavam feito moluscos fora d'água e tampouco se plasmavam em monstros aberrantes. Não falavam por códigos indecifráveis, nem emitiam sons metálicos. Claro que esperar ver um deles numa fila de supermercado seria uma alucinação errática. Mas todos aqueles com quem estive são criaturas tão simpáticas e bem intencionadas com quem podemos passar normalmente um bom tempo conversando ao pé da cama ou em qualquer outro local onde haja alguma privacidade. De modo que seria um exagero desejar que fossem todos enviados de volta para o espaço ou isolados em distritos favelados vasculhando lixos, pois, convenhamos, uma nave capaz de cruzar o espaço e estacionar na Terra deve ter lá seu valor e uma inteligência extra-terrestre. Se nos julgamos superiores e ainda não consegumos dominar a lua, esses caras devem ser todos uma versão atualizada do Stephen Hawkins !

Falar de alienígenas com naturalidade é o que há de mais original em Distrito 9, o filme que deixei de ver nos cinemas, mas que agora consegui em DVD - lançado lá fora. No filme, a humanidade esperava por um ataque hostil ou por gigantes avanços tecnológicos, mas nada disso veio. Os alienígenas chegam à Terra como refugiados e se instalam em uma área da África do Sul, o tal Distrito 9, enquanto os humanos decidem o que fazer com eles. A Multi-National United (MNU) é uma empresa contratada para controlar os alienígenas e mantê-los em campos de concentração e deseja receber imensos lucros para fabricar armas que tenham como matéria-prima as defesas naturais dos extraterrestres. Mas a MNU falha na tentativa de fabricação das armas e descobre que, para que elas sejam ativadas, o DNA dos aliens é necessário. A tensão entre humanos e aliens aumenta quando Wikus van der Merwe contrai um misterioso vírus que modifica o DNA dos humanos transformando-os em aliens. O fato acaba impedindo a poderosa MNU de colocar em prática seus planos de exploração sobre as criaturas de outro planeta. Então o homem que se torna o mais procurado do mundo, tem que fugir, mas sem casa e sem amigos, só tem um lugar onde se esconder: o Distrito 9.

O filme oferece alguns pontos de reflexão interessantes. O primeiro é ver como nossa peculiar forma de lidar com as diferenças extrapola os limites do absurdo e fere o conceito de universalismo. Não acredito que tais criaturas seriam fadadas a viver precariamente numa favela no Soweto sulafricano se todos tivesem a forma humanóide americana ou fossem parecidos com a Gisele Bündchen. Segundo é constatar que tudo, em se tratando de intolerância contra minorias, acaba em guerra de nossa parte, já que os alienígenas deixaram bem claro sua missão pacífica. Terceiro toca a questão do preconceito. O movimento popular de reprovação e luta armada para a expulsão de tais elementos intergalácticos mostra como os alienígenas, na verdade, somos nós. Quarto, o filme explora a condição humana de exploração imperialista em busca de lucros e poder, remanescente do tempo das navegações em caravelas. Como não creio que haja uma história inédita a ser contada no cinema, a originalidade de Distrito 9 é o grande diferencial desta produção de 30 milhões de dólares, que se pagou com apenas três dias em cartaz, arrebatando platéias no mundo todo e encantando a crítica.

Com produção assinada por Peter Jackson, famoso pela trilogia de Senhor dos Anéis, o jovem diretor Neill Blomkamp criou um clima de filme-documentário muito eficiente (a velha nova moda no cinema desde que a Bruxa de Blair foi lançado). E é justamente nesse pique de documentário que o filme ganha mais alguns pontos em sua escala de interesse. A produção foi acompanhada ainda por uma pesada campanha publicitária em estilo realista, com cartazes espalhados por cidades americanas, pedindo para denunciar aliens e mantê-los à distância. Muitas das entrevistas mostradas no filme são bem reais e falam de uma África do Sul que vai além da relação com o apartheid. Blomkamp entrevistou sul-africanos pobres de Soweto sobre o que eles achavam dos "illegal aliens", que, em inglês, significa tanto "alienígenas ilegais" como "imigrantes ilegais". Como não sabiam do filme, os entrevistados soltavam o verbo contra os zimbabuanos que passaram a imigrar em massa para a África do Sul nos últimos dez anos, fugidos da ditadura de Robert Mugabe e povoando as favelas do país vizinho. Além dos zimbabuanos, os nigerianos também entraram na dança no Distrito 9 como traficantes religiosos. No filme, eles surgem como selvagens canibais de aliens, embora quem tenha se sentido ofendido sejam os sul-africanos, já que os nigerianos são interpretados por atores locais, que falam dialetos negros sul-africanos.

Ficção científica nunca foi para mim um gênero que merecesse muita atenção. Mas Distrito 9 ganha nessa boa onda de tratar histórias banais de uma forma diferente e original. Assim vimos em Os Outros, Deixe Ela Entrar, A Bruxa de Blair, Borat, September Tapes, Gothic, filmes de genêros os mais variados.



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